A SEMANA SEGUE COM OS FILMES:
O PICOLINO
O MÁGICO DE OZ
NÚPCIAS REAIS
E UM FILME SURPRESA NA SEXTA-FEIRA
VENHAM TODOS CURTIR UM "PRÉ-NATAL" COM UM CLÁSSICO À LUZ DO LUAR.
ABRAÇOS
Novo SESC Cineclube Silenzio Cascavel-PR Criado com a intenção de difundir o cinema-arte, a partir da projeção de filmes nunca lançados no Brasil e daqueles que foram esquecidos por aqui. Filmes Todos os Sábados às 19:30hrs SESC Cascavel: Rua Carlos de Carvalho, 3367 CEP: 85801-130. E-mail: cineclubesilenzio@gmail.com Fone: (45) 3225-3828
Depois de assistir a “Bem-vindo à Casa de Bonecas” (Welcome to the Dollhouse, EUA, 1995) e dar uma boa olhada numa foto do seu diretor, Todd Solondz, é inevitável pensar no quanto o filme contém de autobiográfico. Trata-se, afinal, de um retrato demolidor da família típica norte-americana, centrada no figura de uma pré-adolescente estilo “patinho feio”, que é uma descrição muito apropriada para a figura mirrada de óculos fundo-de-garrafa que é o diretor. Impressiona, sobretudo, a enorme crueldade com que Solondz trata sua personagem principal, expondo sem piedade sua agonia desesperada para ser ouvida por alguém, qualquer pessoa, ainda que para isso precise passar por situações constrangedoras e/ou humilhantes.
Nesse sentido, o relacionamento mais esclarecedor do filme é aquele que une a protagonista Dawn (Heather Matarazzo) e o colega de classe Brandon (Brendan Sexton III). Ambos têm na faixa dos 13 anos e são solenemente desprezados pelos amigos. Brandon, menino cheio de hormônios, decide que a melhor maneira de romper a casca que o separa do resto do mundo é humilhando com violência a única pessoa que conhece a estar situada abaixo dele na escala de desprezo do colégio – e esta pessoa é Dawn. Então, como se despreza alguém aos 13 anos? Com ameaças de surras e estupros.
Ocorre que Dawn, agônica e irascível, está a aponto de explodir de tanta frustração solitária. Ninguém lhe entende, ninguém lhe dá atenção. Dentro da própria família, ela é um zero à esquerda. A irmã mais nova (Daria Kalinina) é a bonita e o irmão mais velho (Matthew Faber), o inteligente; o que lhe resta é o rótulo invisível de “burra e feia”. Os pais lhe ignoram. Ela é uma das piores alunas da turma, se veste mal, tem o rosto cheio de espinhas e está acima do peso, o que significa virar alvo de chacota e piadas constantes dos colegas de colégio e até dos familiares. Dawn está disposta a tudo para arrumar companhia. Talvez até mesmo se deixar ser estuprada. A amizade que surge entre ela e Brandon é tortuosa, mas sincera. É a amizade de duas almas incompreendidas.
“Bem-vindo à Casa de Bonecas” é um retrato cáustico e cruel do isolamento social a que os indivíduos que não se encaixam nos padrões ditos “normais” são submetidos. A partir da virada entre os anos 1980 e 1990, talvez a partir da pequena pérola “Sexo, Mentiras e Videotape” (1998, de Steven Soderbergh), o cinema independente produzido nos EUA revelou uma série de bons cineastas dedicas a desmontar a hipocrisia da família norte-americana, como uma criança faria com um Lego. Terry Zwigoff (“Ghost World”) e Paul Thomas Anderson (“Magnólia”) são alguns desses nomes que filmam o que há por trás da aparência de normalidade das casa de subúrbio em que vivem os perseguidores do “sonho americano”. Solondz é o mais radical deles.
A habilidade deste diretor nascido e criado em Nova Jersey, nos arredores de Nova York, é inquestionável. A narrativa de “Bem-vindo à Casa de Bonecas” é limpa e sem gorduras, o texto é cru e ácido, os diálogos são inteligentes. Filmado em locações reais e com um orçamento menor do que US$ 1 milhão, o segundo longa-metragem do cineasta exala espontaneidade e crueza, transitando numa terra de ninguém entre o cômico e o trágico, de forma que o filme em geral soa melancólico e amargo, mas com um forte cheiro de comédia.
Solondz tem sido muitas vezes questionado e criticado por submeter seus personagens a situações de grande crueldade, sem deixar transparecer, como outros cineastas, nenhum afeto por eles. Gostar ou não desse tipo de abordagem é algo pessoal, mas não há como negar que a voz de Todd Solondz é uma das mais altas a gritar contra a alienação social nos EUA, o que o transforma inevitavelmente em porta-voz dos socialmente isolados. Vindo de um sujeito magrelo e feioso, não é muito difícil imaginar que o filme contém muito da experiência pessoal de Solondz, curiosamente um cineasta que não circula em Hollywood e permanece bastante isolado dos seus pares, como um Dawn do sexo masculino e na idade adulta. Isso é curioso, e certamente põe o diretor numa posição peculiar e interessante. Quem gosta de cinema transgressor deveria dar uma espiada atenta nos filmes dele.
“Bem-vindo à Casa de Bonecas” foi lançado no Brasil nos cinemas, em 1996, e exibido em circuito restrito às salas de arte. Jamais saiu em DVD. Nos EUA, a edição existente é da Columbia, e contém apenas o filme (imagem em formato wide anamórfico 16:9 e som em Dolby Digital 2.0) com um trailer como único extra.
- Bem-vindo à Casa de Bonecas (Welcome to the Dollhouse, EUA, 1995) Direção: Todd Solondz Elenco: Heather Matarazzo, Matthew Faber, Daria Kalinina, Brendan Sexton III Duração: 89 minutos
Gênero | Suspense/ Terror |
Atores | George C. Scott, Trish VanDevere, Melvyn Douglas, John Colicos, Jean Marsh, Barry Morse, James Douglas, Madeleine Thornton-Sherwood, Roberta Maxwell, Bernard Behrens, |
Direção | Peter Medak, |
Idioma | Inglês, |
Legendas | Português |
Ano de produção | 1979 |
País de produção | Estados Unidos, |
Duração | 115 min. |
Desta vez devo-lhe fazer uma confissão: Não, o diretor do filme desta semana não é um grande diretor. Na verdade, Peter Medak até fez algumas coisas capazes de envergonhar o dúbio título dos convocados ao “Masters of Horror” da Multishow.
Aí chega a hora de você se perguntar: “Ta, e por que diabos escalou um filme do cara pra essa semana?” E lhe respondo, porque A Troca, é um filme ímpar na estante dos filmes de terror em língua inglesa. Primeiro, porque o filme não tem uma única gota de sangue e um único efeito especial “off camera” ou seja, não há um único efeito que foi realizado em cima da imagem posteriormente, todos eles foram habilmente feitos apenas com trucagens de câmera.
“Ok, Vander, Drácula e Frankenstein de 1931, Nosferatu e muitos outros filmes também foram feitos assim” Sim, lógico que por necessidade, mas é verdade, porém a Troca não é um filme de monstro, mas um filme de fantasmas feito em 1979, isso é, depois de Tubarão e Guerra nas Estrelas, sendo que depois desses filmes o “ó do borogodó” era encher o filme de efeitos especiais até o talo (lembra de Poltergeist?) aliás, “era” é bondade minha, ainda o é (lembra de qualquer um dos últimos filmes que assistiu no shopping?).
Em A Troca, George C. Scott é um compositor que após a morte da família muda-se para um grande casa, onde pouco a pouco começa a perceber estranhezas. O compositor aos poucos vai tentando decifrar o que ele mais tarde acredita ser uma mensagem. E é justamente aí que o filme torna-se mais interessante que pencas de outro do gênero, pois ao invés de segurar a platéia com banhos de sangue, ele a faz participar da investigação com todo o interesse possível, e convenhamos isso não é das coisas mais fáceis em filmes do estilo, até porque a “entidade” não é um professor de literatura antiga evocando clássicos como A Divina Comédia ou fazendo enigmas à luz de Aristóteles, mas simplesmente um interlocutor com segredos inquietantes.
E afinal será Halloween, um feriado que não comemoramos e nem fazemos feriado, mas graças aos enlatados dominamos. E Halloween é sinônimo de serial killer, que aliás também não temos por aqui, fantasmas dizem que tem em todo lugar e parece que não foram patenteados, o que nos dá uma sensação maior de participação na trama (A que ponto chegamos quando para nós o sobrenatural é o mais próximo possível do verossímil?).
A Troca se não for um filme que estimule a inteligência é no mínimo um estímulo à sua criatividade dedutiva. Vez ou outra é interessante não somente “assistir” um filme, mas “observa-lo” no sentido ativo do verbo. Digamos que na categoria de filmes de gênero isso tem sido de uma raridade similar a conseguir conversar com um fantasma.
O filme “A Troca” será exibido neste sábado dia 01/11 às 19:30h
No SESC Cineclube Silenzio.
Gênero | Arte |
Atores | Liv Ullman, Ingrid Thulin, Harriet Andersson, Kari Sylwan, Erland Josephson, |
Direção | Ingmar Bergman, |
Idioma | Sueco, |
Legendas | Português, |
Ano de produção | 1972 |
País de produção | Suécia, |
Duração | 106 min. |
Estou morta, mas não consigo dormir.
Vander Colombo.
Dizer que o texto vai de encontro a Ibsen ou mesmo Tchecov, seria minimizá-lo. Não fosse o fato da humanidade não imortalizar seus contemporâneos, Ingmar Bergman estaria no mesmo patamar de seus dois antecessores, sem tirar ou pôr.
Na época que começava a produção de Gritos e Sussurros, Bergman dava instruções aos seus companheiros de set, de que aquilo não era uma história, era um sentimento, aquilo não era uma casa, mas o interior de uma alma fragilizada. Por conta disso o vermelho que iria dominar o filme junto ao branco e negro, era tão somente como a membrana úmida que segundo Bergman cobria esta mesma alma.
O universo é feminino, suas atrizes já declaravam que Bergman talvez entendesse melhor este universo que as próprias mulheres. E o sentimento, bom, primeiramente como poderia eu traçar a sinopse de um sentimento..., porém, comum à obra bergmaniana, o sentimento é resultante da fé versus o vazio divino. Desumanização graças aos ranços da moral religiosa. Bergman em sua filmografia nos faz desconfiar de pessoas que falam demais de Deus... E, se analisamos ao redor, vemos que a informação não passa ao largo da realidade. Pessoas que se escondem em maneirismos, repreendendo suas próprias frustrações, desejos e taras (quando não para atingirem seus objetivos sejam eles financeiros, políticos ou de escalada social), perdem sua humanidade mascarando-a em sentimentos infinitamente piores como falsidade, hipocrisia e crueldade avalizados pelos textos bíblicos.
A três irmãs apresentadas em Gritos e Sussurros encaixam-se nesta conveniência hipócrita, evitando ao máximo transmitir ternura, limitando-se a declará-la em frases átonas.
Uma das irmãs, doente terminal, é talvez a que tenta em vão extrair essa humanidade petrificada das duas outras, mas a única ternura vem da ama que perdera o rebento, e assim como o leite que se esvai de um peito sem filhos pra alimentar, ela dedica seu carinho a essa mulher crescida.
As poucas figuras masculinas que figuram são hediondas, ríspidas, os chamados “varões” que de tão brutalizados (como figuras masculinas típicas da bíblia) perdem a própria dignidade num jogo egótico, utilizando-se das três como peões, que aí, como manda a cartilha, desprendem um amor romântico formalizado.
Esta alma expressa por Bergman é claustrofóbica e pulsante, parecendo cada vez mais se fechar sobre elas, uma alma que conforme se retrai, parece petrificar gerando uma angústia inversamente proporcional. Sua “membrana” belissimamente fotografada pelo gênio Sven Nykvist traduz em cores e luz toda a complexidade da mente etérea do diretor.
Bergman ganhou da crítica o título de deus, mas Bergman não era divino, até porque o adjetivo lhe seria ofensivo. Ao contrário, possuía um humanismo e uma noção de fraternidade que muitos santos dariam a auréola para ter, ainda mais em tempos em que se fala da beatificação de Pio XII.
O filme “Gritos e Sussurros” será exibido neste sábado dia 25/10 às 19:30h
No SESC Cineclube Silenzio.
A entrada é gratuita.
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"A violência está em todo lugar,
não é por causa do álcool, nem é por causa das drogas.
A violência é nossa vizinha,
não é só por culpa sua, nem é só por culpa minha,
violência gera violência"
(Titãs - Música: Violência –
Álbum: Jesus Não Tem Dentes No País dos Banguelas, 1990)
A vítima é uma garota de 15 anos. Morta com vários disparos de pistola de ar comprimido, a mesma arma usada no abate de animais. O autor dos disparos, um garoto da mesma idade, filho de um de um grande empresário da cidade. O garoto filmou a morte da menina, diz-se que incentivado pela exposição demasiada a filmes violentos.
O que parece uma daquelas notícias que se vê todos os dias nos jornais é a premissa básica do filme O Vídeo de Benny do austríaco Michael Haneke. Aliás, Haneke não fez apenas um estudo sobre a violência, mas quase que uma filmografia toda recorrendo ao embasamento de nomes como Locke, Hobbes, Foucault entre outros. Na verdade cada um de seus filmes fala de algum tipo de violência, seja ela física ou psicológica. A trilogia da incomunicabilidade (que além desse, conta com O Sétimo Continente e 71 Fragmentos de uma Cronologia do Acaso que falam respectivamente de um pai de família que num momento de dificuldade lentamente organiza seu suicídio e a morte da família, e de uma amalgama de cenas de vida aparentemente desconectadas que são afetadas pelas notícias de jornais televisivos.) juntamente com títulos como Violência Gratuita (que recentemente foi refilmado pelo próprio diretor nos EUA), A Professora de Piano e O Tempo do Lobo conseguem fazer uma grande tese sobre a violência moderna recorrendo tão pouco a cenas de violência gráfica que deve enrubescer diretores que se dedicam a mesma função fazendo espetáculos gore.
Porém, nenhuma das abordagens de Haneke são simples ou diretas como a premissa do primeiro parágrafo indica. O diretor está mais preocupado em fazer cada espectador fazer sua própria teoria do que tentado explicar a gênese da violência como conhecemos. Seria fácil dizermos que Benny cometeu assassinato por gostar de filmes violentos como comumente a televisão de nossas Américas gosta tanto de fazer, entretanto, algo que Haneke bate forte sem julgar é a indiferença dos pais que se orgulham da liberdade dada aos filhos, ao se unir os dois motivos mais nítidos nasce o vídeo preferido de Benny que mostra a morte de um porco, filmado por ele mesmo numa das fazendas do pai, neste caso pode-se ter um entendimento da auto-crítica de Haneke perante os cineastas e a liberdade ditatorial de impor seu ângulo de visão aos seus espectadores.
Haneke sabe como poucos que a violência inerente exposta em ficção por vezes funciona como alerta, dependendo de como ela é explorada. E sua principal crítica à mídia de um modo geral é a violência real sendo tratada pejorativamente, principalmente em tele-jornais.
Por conta disso, se pensarmos de um modo amplo a crítica pode ser levada à própria piada de avisos antes da novela que a mesma é desaconselhável a menores de 12 anos, não diminuindo um único ponto de Ibope já que poucas crianças assistem à novela das nove, enquanto programas regionais durante o almoço mostram jornalistas pregando mensagens nazi-fascistas disfarçadas de conservadorismo, mostrando entre um corpo crivado de balas e outro decapitado, comerciais de brinquedos e apresentadores “engraçadões”, sem uma única mensagem correndo no piso da tela dizendo que toda essa atrocidade midiática ao menos não representaria a opinião da emissora. Uma simples questão de liberdade versus responsabilidade.
O filme O Vídeo de Benny será exibido dia 18/10 às 19:30h
No SESC Cineclube Silenzio.
A entrada é gratuita.
"Por que os vaga-lumes tem de morrer tão depressa?"
“Os filmes japoneses têm a beleza suspeita de alguns cadáveres.
Fica-se, às vezes, pasmo de tanta crueldade.
Procura-se a fonte na longa intimidade com o sofrimento...”
Chris Marker
Tinha prometido para mim mesmo que este ano escalaria uma animação para o cineclube, até para tirar aquela idéia de que animação é coisa de criança, dada a preponderância das obras da Disney em nosso mercado cascavelense de Home Vídeo.
A história vem mudando até porque as animações em 3D de estúdios como a Pixar tem mudado essa história e atingindo até mais adultos do que as crianças que os acompanham. Porém os mestres da 2D ainda são os japoneses. Devo confessar que não sou lá um entusiasta do anime em capítulos, por vezes lembram-me novelas. Mas é preciso admitir que não só a arte nipônica do desenho animado como a profundidade psicológica de suas personagens são incomparáveis. De um modo geral, os animes são frutos de mangás (histórias em quadrinhos japonesas) ou hentai (histórias em quadrinhos japonesas eróticas), e generalizando tratam de samurais/lutadores de artes marciais com superpoderes, colegiais excitadas ou bichinhos fofinhos que causam ataques epiléticos.
A história muda em grandes clássicos da animação japonesa como Akira, A Viagem de Chihiro e este O Túmulo dos Vagalumes. Este último, de 1988, dirigido por um dos mestres da animação Isao Takahata. O Túmulo dos Vagalumes conta a história de Seita e Setsuko, dois irmãos sozinhos em plena Segunda Guerra Mundial, o pai, lutando pela marinha está desaparecido, a mãe morreu num bombardeio, a partir daí Takahata traça um conto de fadas que rara vezes se viu, seja em animação ou live action, bater tanto às portas da realidade nua e crua, a história não poupa as duas crianças das mazelas do tempo de guerra.
Um nó na garganta que dure dias não é incomum ao final do filme, tanto que muitas pessoas declaram terem adorado o filme, mas evitam assisti-lo novamente, tamanha a crueldade exercida sobre o olhar infantil ao fitar a guerra, porém nada é em exagero, nada é inverossímil, nada é gratuito.
A tristeza e a crueldade segundo a poesia cinematográfica de Chris Marker, Sans Soleil, é explicada por Bashô ainda no Séc. XV: "O salgueiro enxerga invertida a imagem da garça", uma maneira de se libertar dos próprios horrores de Hiroshima e Nagasaki, e “Para exorcizar o horror que tem rosto e nome, é preciso conceder-lhe outros atributos (...) e exigir que até a dor se enfeite”. Por conta disso, a “beleza suspeita dos belos cadáveres” reside nas cores fortes, nos olhos grandes e distantes do olhar estreito oriental, mas transmite as mesmas verdades que outrora outros ideogramas já relatavam. O horror agora sem rosto ou nome declarado ainda tem garras, ainda presas, só lhe falta a etiqueta vertical. Só nos comprova que olhos redondos ou apertados apesar da cultura heterogênea, carpem-se da mesma maneira.
“Para nós, o sol só é sol se estiver brilhante;
Uma fonte só a é, se for límpida.
Aqui, adjetivar equivale a colocar nas coisas etiquetas com seus preços,
A poesia japonesa não qualifica.”
Idem.
O filme “O Túmulo dos Vagalumes” será exibido dia 11/10 às 19:30h
No SESC Cineclube Silenzio. A entrada é gratuita.
Consegue me ouvir Major Tom?
“When you growing up in a small town
Bad skin, bad eyes, gay and fatty
People look at you funny”
Lou Reed
“Tudo o que reluz é gay” dizem em certo ponto as manchetes nos jornais em Velvet Goldmine de Todd Haynes. É preciso dizer em primeiro lugar que o filme tenta traçar o percurso do abalo causado pelo chamado Glam Rock, leia-se: David Bowie (Ziggy Stardust and The Spiders From Mars), Iggy Pop (The Stooges), Lou Reed (Velvet Underground), Brian Ferry (Roxy Music) entre outros. Aliás Bowie seria a personagem principal do filme não fosse o fato de ele não ter gostado nada da história e nem mesmo ter liberado os direitos de uso de suas músicas para o filme, Reed, Pop e Ferry seguiram o caminho inverso.
Apesar dos nomes terem sidos quase todos trocados, é mais do que óbvio a caracterização de Jonhatan Rhys-Meyers como Bowie, e Ewan McGregor como uma mistura de Iggy Pop com Lou Reed pendendo visualmente mais para o primeiro.
O estudo de época do filme de Haynes beira a perfeição, seja na direção de arte seja na discussão social de uma época que transformou sexualidade em objeto de consumo desde então. “Hoje eles são gays assim como na década passada a moda era ter um disco do Led Zeppelin em baixo do braço” diz um músico numa fase mockumentário dentro do filme, completado pelo personagem de McGregor, “eles se dizem gays, mas não podem transar como gays, tentam, mas não conseguem”.
O fator da época nem mesmo era a homossexualidade em si, mas a libertação sexual em sua totalidade, uma espécie de upgrade do que já havia feito os hippies anos antes. A bissexualidade ou o termo mais tarde cunhado como pan-sexualidade seria mais indicado para a busca da época (uma coisa tipo, “Ei baby, vá dar uma volta no lado selvagem”), não que isso fosse novidade, porém se intensificou junto com a maior praga do rock n’ roll atemporal, o marketing.
Tirando isso, a busca é a mesma do rock desde quando nasceu: o sexo. Seja ele como for. E nesse ponto o Glam Rock é a fase mais erótica e fascinante desde a primeira rebolada de Elvis. E as drogas. É lógico, tinham as drogas para completar a tríade, agora já mais garantidas como matéria-prima de canções desde que Velvet Underground compôs letras sobre heroína enquanto os Beatles ainda faziam baladas românticas (o que mudou após Revolver como todos sabem) ajudando a nascer o movimento punk.
Dentro da trajetória da trama do filme, nos dias atuais, um jornalista britânico (Christhian Bale) é incumbido de descobrir o paradeiro de astro do Glam que desaparecera após forjar a própria morte, dentro da investigação jornalística a lá Cidadão Kane, os flash-backs nos jogam direto a uma jornada de movimentos de sexualidade desde Oscar Wilde até a era dos Mods Dândis, revelando não só a arte como a hipocrisia do jogo de compra-e-venda de modismos em forma de bonecos e souvenires de seus artistas preferidos.
Hipocrisia mais viva do que nunca, seja no representa a MTV, seja de Britney Spears a t.A.t.u. e é justamente esse o gosto amargo que o filme deixa transparecer ao seu final. O comercialismo continua firme, porém sem um pingo da genialidade que já teve. Numa transmissão radiofônica repleta de chios, veementemente ignorada no local, toca baixinho 2 H.B. do Roxy Music como que querendo um contato de evocação de seu monstros sagrados para que levantem voltando ao underground fazer aquele tipo de barulho que todos esperam que seja feito. Imagem não é nada...
Controle Terrestre para Major Tom
Controle Terrestre para Major Tom
Pegue suas pílulas de proteínas e coloque seu capacete
Controle Terrestre para Major Tom
Começando contagem regressiva e motores ligados
Checar ignição e que Deus esteja com você
Esse é o Controle Terrestre para Major Tom
Você realmente teve sucesso
E os jornais querem saber que tipo de camisetas que você usa
Agora é hora de sair da cápsula
Se você tiver coragem
Aqui é Major Tom para Controle Terrestre
Estou dando um passo pra fora da porta
E estou flutuando no jeito mais peculiar
E as estrelas parecem muito diferentes hoje
Daqui
Estou sentado num pedaço de lata
Bem acima do mundo
A Terra é azul
e não há nada que eu possa fazer
Porém eu ultrapassei cem mil milhas
Estou me sentindo bem calmo
E eu acho que minha nave espacial sabe onde ir
Diga pra minha mulher que eu a amo muito
Ela sabe
Controle Terrestre para Major Tom
Seu circuito pifou
Há algo errado
Consegue me ouvir Major Tom?
Consegue me ouvir Major Tom?
Consegue me ouvir Major Tom?
Consegue me...
Aqui estou eu flutuando em volta de pedaço de lata
Bem acima da lua
A Terra é azul...
e não há nada que eu possa fazer[1]
O filme Velvet Goldmine será exibido neste sábado dia 04/10 no SESC Cineclube Silenzio.
A entrada é gratuita.
[1] Space Oddity (David Bowie)
Título Original: Festen / Celebration
Gênero: Drama
Origem/Ano: DIN/1998
Duração: 105 min
Direção: Thomas Vinterberg
Elenco:
Ulrich Thomsen... Henning Moritzen... Thomas Bo Larsen... Paprika Steen... Birthe Neumann... Trine Dyrholm... Helle Dolleris... Therese Glahn... Klaus Bondam... Bjarne Henriksen... Gbatokai Dakinah... Lasse Lunderskov... Lars Brygmann... Lene Laub Oksen... Linda Laursen... | Christian Klingenfeldt Faderen Michael Helene Moderen / Mother Pia Mette Michelle Toastmasteren Kokken / Cook Gbatokai Onklen / Uncle Receptionisten Søsteren / Sister Birthe |
Sinopse: Durante o aniversário de 60 anos do patriarca dos Klingenfelt é organizada uma grande festa para seus parentes num hotel de luxo. Um grande escândalo se anuncia em pleno banquete, quando seu filho mais velho resolve acusá-lo de abuso sexual na infância.
Gênero | Drama |
Atores | Anthony Hopkins, John Hurt, Anne Bancroft, John Gielgud, Wendy Hiller, Freddie Jones, Michael Elphick, Hannah Gordon, Helen Ryan, John Standing, |
Direção | David Lynch, |
Idioma | Inglês, |
Legendas | Português |
Ano de produção | 1980 |
País de produção | Estados Unidos, Inglaterra, |
Duração | 124 min. |
Título Original | Lilja 4-ever |
Atores | Oksana Akinshina, Artiom Bogucharski, Elina Benenson, Liliya Shinkaryova, Pavel Ponomaryov, Tomas Neumann, Lyubov Agapova, Tõnu Kark, Anastasia Bedredinova, Nikolai Bentsler, |
Direção | Lukas Moodysson, |
Idioma | Russo, Sueco, Inglês |
Legendas | Português, Inglês, Espanhol, |
Ano de produção | 2002 |
País de produção | Suécia, |
Duração | 109 min. |
Longe das raízes
" E talvez esteja aí toda a diferença; talvez toda a sabedoria, toda verdade e toda sinceridade estejam apenas contidas naquele inapreciável momento em que ultrapassamos o limiar do invisível."
Joseph Conrad
Suécia e Dinamarca são países vizinhos e difíceis de diferenciar vistos de fora.
Lição de geografia dada para tentar explicar um pouco do trabalho do diretor Lukas Moodysson. Lukas é sueco, conterrâneo de um dos maiores cineastas de todos os tempos, Ingmar Bergman que dizia que não poupava de sua fúria diretores que mexessem demais a câmera, sendo um deles ninguém mais ninguém menos que Hitchcock.
O conterrâneo Moodysson parece não ter ligado muito para os conselhos do mestre, visto que faz todos os seus filmes com a câmera no ombro, e é essa degeneração que é explicada pela geografia, pois além das línguas parecidas e da troca cultural, na época que Moodysson estava começando, no país vizinho já se davam os primeiros passos de uma manifesto que mais tarde ficou conhecido como Dogma 95, no qual a principal regra era justamente esse trabalho manual de operação de câmera. É lógico que Moodysson não seguiu todos os preceitos do Dogma 95, pois usa e abusa da trilha sonora e vez ou outra pede uma fotografia mais elaborada. Mas enfim, a intenção dos dinamarqueses está toda lá.
No mesmo ano do primeiro filme do manifesto, Moodysson lança seu primeiro grande sucesso, Amigas de Colégio, introduzindo com ele, seus temas caros e recorrentes: adolescência, sexualidade e a batalha do etéreo versus o mundano. Porém o sucesso de público e crítica veio em 2002 com o filme Para Sempre Lilya. Com esse Lukas conseguiu atingir o caráter humano que nenhum filme sobre drogas, prostituição infantil e afins, havia conseguido. Além de levar a fama de um Cristhiane F aos moldes de Lars Von Trier. Lilya ganha de Christiane não só no quesito cinematografia, mas em abordagem psicológica, embora, não faltem exageros também comuns ao diretor de Dogville.
Outro traço similar entre Von Trier e Moodysson são suas personagens femininas enfrentando com as armas que podem o mundo falocêntrico que as cerca, auxiliadas por uma espécie de distorção da realidade em prol de suas sensibilidades aguçadas, que aos poucos se convertem numa coragem crua no dado momento de reação inadiável.
A sinopse é como outras tantas, mas tente não se enganar com ela. Num país da ex-União Soviética dilacerado economicamente pelo pós-Gorbachev, Lilya uma menina de 16 anos sonha em mudar de vida radicalmente. Os pais se mudam e não dão mais notícias, deixando-a com uma tia pra lá de bizarra e obrigando-a a recorrer a métodos escusos para conseguir sobreviver.
No caso de Para Sempre Lilya o etéreo também está presente, contudo muito mais como ironia do que como representação espiritualista, Mais como antônimo de toda e qualquer desgraça do que como sinônimo de redenção.
E é com esse conto da carochinha moderno que o diretor consegue dar a sua visão crítica do mundo adulto em sua melhor forma. Usando metáforas simples e acessíveis ele consegue atingir a um público consideravelmente maior que seus outros trabalhos, deixando inclusive um moral da história bem desenhado: no começo da fita Lilya rasga a foto de sua mãe; arrependida ela a cola novamente apenas para mais tarde queima-la por completo. Ou seja, a importância magnânima dos pequenos atos que após tomados se tornam irreversíveis, pois queiram seus anjos da guarda ou não, o máximo que lhes podem ser é parte dessa consciência inaudível...
Certo e errado são caminhos vizinhos e difíceis de diferenciar vistos de fora.
O filme Para Sempre Lilya será exibido neste sábado dia 23/08 às 19:30h no SESC Cineclube Silenzio. A entrada é gratuita