No SESC Cineclube Silenzio
Entrada Gratuita
Atores | Lionel Abelanski, Rufus, Clement Harari, Michel Muller, Agatha de La Fountaine, |
Direção | Radu Mihaileanu, |
Idioma | Francês, |
Legendas | Português, |
Ano de produção | 1998 |
País de produção | França, Bélgica, Holanda, |
Duração | 103 min. |
Trem mais belo que a vida
Vander Colombo
O Trem da Vida de Radu Mihaileanu saiu cerca de meio ano depois de A Vida é Bela de Roberto Benigni. Pudera, o segundo tinha uma certa garantia de ganhar alguma coisa no Oscar daquele ano, principalmente depois que João Paulo II revelou ter chorado numa das exibições teste. Logicamente numa situação dessas é normal a antecipação e a pressa em lançar o filme a tempo de poder concorrer ao prêmio da academia. Resultado: três Oscar para a produção italiana, inclusive o estranho prêmio de melhor ator para o próprio Benigni, que para quem não conhece é uma espécie de “Didi” para adultos italiano.
Não se tire o mérito, A Vida é Bela é um filme bonito, mas um filme que não faz jus ao Holocausto. Aliás, como a maioria dos filmes que procuram tratar do tema aos moldes do cinema comercial. É o caso também de A Lista de Schindler de Steven Spielberg. Numa conversa com o roterista de Eyes Wide Shut (De Olhos Bem Fechados), Stanley Kubrick perguntava se lembrava de algum filme que já tivesse falado sobre o holocausto em Hollywood, o roteirista citou alguns nomes antes de citar Schindler, ao qual Kubrick devolveu: “Aquilo é um filme sobre o sucesso, não acha? O Holocausto é sobre 6 milhões de pessoas que foram exterminadas, A Lista de Schindler é sobre 600 que não foram. Mais algum?”[1]
A Vida é Bela, segue o molde do filme de mainstream, centralizando-se em uma família, que apesar das lágrimas é redentor. E como sabemos historicamente nenhum conflito onde uma etnia foi dizimada quase que completamente poderia ser redentora, alguém chamaria de redentora a história dos indígenas das Américas?
Agora você pode gostar ou não de Trem da Vida, porém este erro ele não comete, pois da mesma maneira que o filme italiano, ele injeta humor no assunto, embora seja um humor bem mais preso à História do que o humor físico do outro. Poderia se dizer que Trem da Vida é uma comédia que não desce sem engasgar.
A fita fala sobre judeus de uma pequena vila da Romênia que conseguem comprar um trem e planejam disfarçar-se de nazistas e fingir que levam os judeus para os campos de concentração, enquanto os conduzem à “terra prometida”. Numa comédia normal isso cairia facilmente em piadas chulas e quem sabe até anti-semitas, o que não acontece aqui, onde o respeito pela tragédia se mantém acima de qualquer riso, o que lhe rende uma reverência maior.
Ainda não “O” filme sobre o assunto, porém a arte apesar de seu poderio, por vezes pode sentir-se intimidada diante de assuntos aos quais nem mesmo se tem como explicar, ainda mais quando continuam acontecendo em menor escala e de maneira disfarçada, seja com os já citados indígenas, sem-terras, negros, homossexuais e "outros marginais".
O filme “Trem da Vida” será exibido neste sábado dia 28/06 às 19:30h no SESC Cineclube Silenzio. A Entrada é Gratuita.
[1] RAPHAEL, Frederic – Kubrick, De Olhos Bem Abertos – Geração Editorial – Pg. 103
Trem da Vida: Identidades e Transposição de Fronteiras
Laysmara Carneiro Edoardo
Socióloga
laysedoardo@gmail.com
A perseguição nazista aos judeus é alvo de diversas abordagens, das ciências às artes, de forma que ultrapassa os fatos e reverbera-se, tal qual em Trem da Vida, como uma articulação entre subjetividades e juízos de valor. Neste caso, o mote é o embate entre as fronteiras identitárias dos dois grupos e o comportamento dos seus membros. Deste modo, identidade pode ser definida como um elemento capaz de determinar a posição dos agentes, e por esta razão, orientar também suas representações e escolhas, de forma que é elaborada em uma relação que opõe um grupo aos outros que este mantém contato.
Não há identidade em si nem para si, pois ela somente existe em relação a uma outra. Ou seja, a identificação é ao mesmo tempo diferenciação, pois na tentativa de participarem ativamente e de forma estável na multiplicidade cultural, os membros do grupo exprimem em seus comportamentos, características próprias e, no mais das vezes exclusivas, buscando uma autenticidade visível. A reunião em grupos então, que é regra básica para uma existência completa do indivíduo, rotula e exige, conforme a atuação diante do diferente, um comportamento determinado por estruturas maiores, tais como a moral, religiosa e cultural – no sentido de apreensão de mundo – para que este seja considerado pertencente e participante do grupo que considera como seu.
Identificar-se e ser identificado faz parte do primeiro acesso à uma identidade grupal caracterizando o pertencimento de semelhantes, quando há necessariamente a apropriação e/ou fixação de diversos símbolos identitários de reivindicação. Ou seja, o grupo define normas de conduta, comportamento e apresentação que deverão ser seguidas por todos aqueles que desse fazem parte, podendo assim, ser distinguido e distinguir-se diante de “não semelhantes”, fazendo deste processo o ponto crucial da dicotomização Nós/Eles. Por fim, estes três artifícios, se fazem completos com o realçamento de traços étnicos por saliência na interação, quando os indivíduos ou grupos em contato demonstram suas características distintivas para imporem-se enquanto grupo.
Estes critérios estipulados pelo grupo, internalizados e expressados pelos indivíduos pertencentes, denotam e identificam impressões categóricas de classificação recorrentes à pessoas de uma mesma matriz cultural. Cabe então ao grupo desenvolver e manejar os mecanismos, que são simbólicos na maioria das vezes, utilizados para este afastamento dos indesejáveis, estabelecendo critérios exclusivos, entre eles cor, língua, vestimentas. E no caso de o Trem da Vida, insígnias, fardas e quepes.