27.4.08

03/05 - Persona (Ingmar Bergman)

Neste Sábado Dia 03/05 às 19:30h
No SESC Cineclube Silenzio
ENTRADA GRATUITA



Persona é simplesmente um dos maiores filmes da história do cinema, e uma das obras centrais do mestre Ingmar Bergman, apresentada aqui em versão integral restaurada e remasterizada.
Uma atriz teatral de sucesso sofre uma crise emocional e emudece. Para se recuperar, parte para uma casa de campo, sob os cuidados de uma enfermeira, que a admira e tenta compreender a razão de seu silêncio. Isoladas, as duas mulheres desenvolvem uma relação de forte intensidade emocional.
A impressionante seqüência inicial, as atuações viscerais de Bibi Andersson e Liv Ullman, a brilhante direção de Bergman fazem de Persona uma experiência cinematográfica fascinante e inesquecível.

Atores Bibi Andersson, Liv Ullmann, Margareta Krook, Gunnar Björnstrand, Jörgen Lindström,
Direção Ingmar Bergman,
Idioma Sueco,
Legendas Português,
Ano de produção 1966
País de produção Suécia,
Duração 84 min.
Preto & Branco -----------------------------------------------------------------------------------------------

Da alma para Alma

Vander Colombo

“Que o cinema seja o meio que me expresso, é absolutamente natural.

Fiz-me compreender numa língua que passava ao lado da palavra de que

carecia, da música que não sabia tocar,da pintura que me deixava

indiferente. Subitamente tive a possibilidade de me corresponder com o

mundo numa linguagem que literalmente fala da alma para a alma, em

termos que quase de maneira voluptuosa, escapam ao controle do intelecto”

Ingmar Bergman

Stanislavsky, famoso dramaturgo e teórico do teatro, escrevera que para o êxito completo da futura interpretação, era necessário que o ator fosse o parasita da personagem, nutrir-se dela, a dissecasse a tal ponto que em determinado momento se tornasse a própria. Apoiado em Jung, essa construção de persona (como também se conhece as máscaras do teatro clássico) já se dá naturalmente quando agimos de um modo no convívio social e de outro na privacidade.

Ingmar Bergman, sabia disso, desde 1940 trabalhava com teatro e percebia as nuances facetarias de atores, que ao recorrer a essas táticas, acabavam por perder um pouco ou esquecer-se de sua persona original. Por isso o filme Persona, vai se estender não só nesse princípio, mas inacreditavelmente em todas as ramificações que o sentido da palavra consiga chegar.

Hesitei muito antes de escolher um Bergman para exibir, tanto que no decorrer do ano passado nenhum foi exibido. Quase todos os filmes do diretor sueco têm elementos que mergulham fundo na dramaturgia onde muitos não conseguiram levar ao palco, dadas suas limitações para explorar minuciosamente a alma humana, seja à luz da psicologia, da eterna busca por Deus e consequentemente o Seu silêncio, ou pela vertente existencialista mais dolorosa possível.

Persona não é diferente, chega a ser inconcebível a profundidade da discussão que vai de Jung a Kierkegaard, com poucos diálogos e em apenas 81 minutos. Bergman mantém em planos claustrofóbicos as duas personagens: Elizabeth, uma atriz que teve um surto enquanto interpretava Electra de Sófocles e com isso deixa de falar - embora antes extrovertida para em silêncio encontrar sua verdadeira persona, e a enfermeira Alma, tímida e analítica que reclusa-se com a primeira para um melhor tratamento.

Logo nos primeiros momentos, dadas as circunstâncias de Elizabeth, os papéis já são invertidos, Alma tem que se comunicar apesar de introvertida com uma interlocutora totalmente calada que expressa-se agora por gestos e olhares, ou seja, cada uma assume a personalidade ou personagem da outra para desempenhar seu papel.

No decorrer do filme uma simbiose começa a acontecer entre as duas mulheres que tem seu clímax, quando Alma lê confidencias de Elizabeth, o que gera um conflito onde as duas personas não mais diferenciam e isso é orquestrado por Bergman com uma maestria absurda, utilizando-se de linguagens cinamatográficas e se aproveitando da sua última fotografia em preto-e-branco de Sven Nykvist.

Se o filme fosse só isso, já seria um clássico por sua conquista narrativa, mas, além disso, o filme é um poema visual, a seqüência inicial é de uma metalinguagem quase surrealista que já rendeu estudos devido seu chamado enigma quase que indecifrável. De certa forma Bergman aqui já se utiliza do princípio de outro dramaturgo, Bertold Brecht, pois não só o prólogo ali está como várias técnicas de cinema, para criar um efeito de distanciamento e avisar o espectador que aquilo não é real, mas um filme. Tanto que em determinado momento, a película se rompe dando a impressão que o filme foi queimado no projetor. É por conta disso que quando imagens reais entram em confronto com a ficção do filme, causam um terrível estrago, é o caso do bonzo vietnamita que ateia fogo em seu próprio corpo em protesto, e a presença masculina mostrada num flash de poucos segundos de um pênis ereto, mais tarde substituído por algo que lembra uma vagina dentada e ainda a imagem de corpos idosos em um necrotério “para lembrarmos que somos seres finitos” sendo substituídos pelos rostos em close das duas personagens principais.

Segundo Jacques Aumont para Bergman o rosto é a superfície visível que remete a um interior invisível, ou seja, uma persona para fora, outra para dentro, o exterior e a alma, por isso talvez para ele o parasitismo de um para o outro tal qual o ator para sua personagem tenham conseqüências irremediáveis de auto-conhecimento, e posterior isolamento, como foi o caso do próprio Bergman na Ilha de Fårö.

Há um preço alto para aqueles que se dedicam a conhecer tão bem a alma humana.

O filme Persona será exibido neste sábado dia 03/05 às 19:30h

No SESC Cineclube Silenzio em Cascavel-PR

A entrada é gratuita

21.4.08

26/04 - Traídos Pelo Desejo (Neil Jordan)

Neste Sábado Dia 26/04 às 19:30h
No SESC Cineclube Silenzio
ENTRADA GRATUITA

Fergus, um guerrilheiro do IRA , sequestra um soldado britânico chamado Jody e fica no aguardo de ordens de seus superiores acerca do destino de seu prisioneiro. Mas com o passar do tempo, os dois acabam se aproximando e criando um laço de amizade, fazendo com que Dil, a namorada do soldado britânico, acabe se envolvendo com o guerrilheiro. Muito comentado e controverso na época de seu lançamento, Traídos pelo Desejo traz performances magistrais em um roteiro intrigante, inteligente e repleto de nuances e segredos. Miranda Richardson; Stephen Rea, indicado ao Oscar por seu papel nesse filme; o vencedor do prêmio de melhor ator em Cannes Forrest Whitaker e a intrigante estréia de Jaye Davidson. Um dos melhores e mais polêmicos filmes dos anos 90. Indicado a sete prêmios Oscar, incluíndo melhor filme – vencedor na categoria Melhor Roteiro Original.

Título Original: The Crying Game
Tempo: 112 minutos
Cor: Colorido
Ano de Lançamento: 1992
Recomendação: 16 anos
Pais de Origem: Reino Unido/ Japão


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O Sapo e o Escorpião

Vander Colombo

Fui advertido ainda esta semana que Traídos pelo Desejo que será exibido no sábado não se encaixava no perfil dos filmes exibidos pelo cineclube, isso primeiro me preocupou em relação ao próprio filme, mas após revê-lo foi o perfil do cineclube que me deixou preocupado.

Em grande parte a culpa foi minha por ter tentado trazer nesses dois anos alguns títulos moderninhos, ao mesmo tempo em que deixei de lado alguns filmes importantíssimos para a questão ‘entendimento cinematográfico’. Percebi que nos dois anos não escalei para exibição nenhum filme noir, e o que mais chegou perto foi um filme que não agradou muito o público, o holandês O Silêncio do Lago. Veio-me logo à cabeça que provavelmente Traídos pelo Desejo também não iria agradar... mas caramba, o que estou dizendo? Se o objetivo do cineclube fosse o de agradar a maioria, se instalaria no shopping-center e cobraria ingressos. Pelo contrário, o objetivo é fazer-se apreciar o cinema em todas as suas vertentes artísticas... E até mesmo o cinema comercial já soube apreciar o noir, e o independente continua fazendo isso com os neo-noirs com direito até a Oscar de melhor filme em 2008.

Eis uma mais que breve introdução aos filmes noir: O termo foi cunhado pelos franceses na década de 40, que privados das produções hollywoodianas durante a ocupação, começaram a receber vários filmes americanos com similaridades, entre eles estava O Falcão Maltês ou Relíquia Macabra de John Houston que é considerado o noir por excelência, os americanos adoraram o elogio europeu e assimilaram o termo que é discussão até hoje entre críticos e cinéfilos, o que assumiu na cultura popular cinefílica a definição dos “filmes policiais com luz expressionista, offs, com uma mulher fatal e um detetive ou anti-herói durão ou trouxa, cheios de violência e erotismo, etc”[1]

O chamado neo-noir assumiu essa postura modernizando os temas da década de 40, os Irmãos Coen são os principais difusores deste novo estilo desde seu primeiro filme Gosto de Sangue, passando por O Homem Que Não Estava Lá até sua mistura de newestern com neo-noir Onde os Fracos Não Têm Vez.

Traídos pelo Desejo do diretor irlandês Neil Jordan se encaixa perfeitamente num neo-noir apesar de não ter banca de um. Talvez por isso para muitos ele possa parecer um filme policial comum, mas está longe disso, todos os elementos estão lá para serem subvertidos e questionados.

Sabe aqueles filmes que te dizem: “quanto menos você souber melhor”? É desses. O “problema” é que o filme ganhou Oscar de roteiro original e sua reviravolta virou conversa de botequim, sendo que muitos nem viram o filme, mas conhecem a tal. Como sou bonzinho vou poupar os felizes desconhecedores e mudar de assunto.

Mas digo que um pouco mais de atenção faz o espectador perceber que não está sendo passivo nesse “jogo de lágrimas” e ao invés de esperar conclusões, está fazendo julgamentos morais a todo o momento. Essa é a grande sacada do texto do próprio diretor. Além é lógico do próprio julgamento moral implícito no filme contra qualquer tipo de intolerância, e convenhamos, em épocas que se vê godzillas acéfalos se digladiando e estourando a cabeça um dos outros com calibres .12 sob os uivos selvagens de uma platéia sedenta de qualquer tipo de vingança, isso é no mínimo redentor.

E creio que mesmo se só após ler essas linhas alguém que apareça lá no sábado conseguir assistir o filme nesse viés, sairá recompensado. Sabendo que por vezes primeiro vale a identificação das metáforas simples, antes de pegar os Bergman’s e Godard’s das semanas seguintes e ‘boiar’ do começo ao fim.

É um caminho lento mas proveitoso, sendo que poucos como esse vão dar a mamata de lhe contar uma fábula a qual para os mais atentos ajudará a não ver o filme no seu superficial somente, e lembrar que o comercialismo ainda é uma espécie de ditadura. Por isso quando se tem realmente algo a dizer, tem-se que recorrer as entrelinhas.

Era uma vez um sapo e um escorpião, o segundo por não conseguir nadar, pediu ao primeiro que o ajudasse a atravessar o rio, carregando-o em suas costas. O sapo disse:

_ Nem pensar, se você subir em minhas costas irá me picar e me matará

O escorpião respondeu:

_ Não seja tolo, se eu picá-lo, os dois morreremos.

O sapo se convence e então deixa o escorpião subir em suas costas e começam a atravessar o rio. Quando estão na metade do caminho o sapo sente a picada nas costas, e conforme vai afundando junto com o escorpião ele grita:

_ Maldito, você tinha prometido! Por que me picou?

_ Eu não pude evitar... é a minha natureza. - Respondeu o escorpião.

O filme “Traídos pelo Desejo (The Crying Game)” será exibido neste sábado dia 26/04 às 19:30h no SESC Cineclube Silenzio.

A entrada é gratuita.


[1] MASCARELLO, Fernando - História do Cinema Mundial – 2ª Ed. – Papirus Editora

17.4.08

19/04 - A Felicidade dos Katakuri (Takashi Miike)

Neste Sábado dia 19/04 às 19:30h
No SESC Cineclube Silenzio
ENTRADA GRATUITA




A família Katakuri acabou de abrir uma casa de hóspedes nas montanhas. Infelizmente seu primeiro cliente comete suicídio e querendo evitar problemas eles decidem enterra-lo no jardim. Porém, a lei de Murphy também impera na terra do sol nascente e as coisas vão ficar cada vez mais complicadas e distanciando a família da felicidade que buscavam juntos no campo. Um musical completamente diferente de tudo o que já se viu, do mesmo diretor de Audition.

Título Original: Katakuri-ke no kôfuku (2001)
Direção: Takashi Miike
Pais de Origem: Japão
Duração: 112 minutos


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“As montanhas estão vivas pelo som dos gritos...”

Vander Colombo

Quando o cineclube no ano passado exibiu um filme chamado Audition (Entrevista) do diretor japonês Takashi Miike, minha intenção era a de colocar esse nome na lista dos diretores dos cinéfilos cascavelenses que o desconheciam, sendo que na época o diretor já tinha dezenas de títulos e somente o episódio da série Masters of Horror havia sido lançando em DVD no Brasil. O filme era visto como o melhor exemplar de Miike juntamente com Ichi, o Assassino, e verdade seja dita, que já eram febre no Brasil, devido às abençoadas cidades que tem grandes festivais e principalmente à internet.

O filme causou reações diversas, desde o fã de terror que dentro de uma infinita prepotência achou o começo chato, o que o fez perder uma das turgescências mais pesadas da história do cinema, até os mais sensíveis que lotaram a caixa de e-mail do SESC exigindo uma classificação etária mesmo não tendo ninguém com menos de 16 na sessão.

Desde o começo do Silenzio sua intenção junto dos outros cineclubes é fazer aumentar o número de pedidos por certos diretores que forçasse o lançamento nacional, ou se já lançado, a compra das cópias pelas vídeo-locadoras, tornando assim o acesso do cinema não-hegemônico mais fácil. Essa pesquisa por nossa parte por vezes nos traz grandes cineastas que se não estão no hall dos maiores, mas com certeza estarão. É o caso de Miike, apesar de alguns críticos ainda torcerem o nariz devido ao seu desapego a perfeição de efeitos. Contudo a Revista SET é a prova viva que qualquer moleque espinhento pode se dizer crítico mesmo sem ter referencial teórico nenhum, e vomitar “achismos” e frases feitas para um público que consome fofoca ao invés de cinema. Tirando esses indivíduos, os que se dedicaram a conhecer Miike, perceberam antes de tudo seu ecletismo nos assuntos escolhidos que vão do terror extremo, até filmes infantis, tudo isso aliado a uma prolificidade que não se via desde a morte de R. W. Fassbinder.

Por conta disso, achei que o primeiro filme de Miike a ser exibido depois de Audition, poderia ser A Felicidade dos Katakuri, que, afinal é um musical familiar,... Mas é um Takashi Miike. O que o torna uma comédia-romântica-familiar-de humor-negro-com-toques-de-terror-light-stop-motion-bizarros-e-números-musicais-bregas-com-zumbis. E isso faz toda a diferença. A frase que escolhi para nomear esse texto é o slogan americano do filme, claramente uma brincadeira com a frase famosa do filme A Noviça Rebelde: “The hills are alive with the sound of music

Um filme que começa com uma moça tirando um cupido feito com massinha de modelar de dentro de um prato de sopa já diz ao que veio e logo lhe informa que será diferente. Miike brinca o filme todo com a ocidentalização da cultura nipônica, e de como o ocidente vê essa cultura tão diferente do lado de lá. Por exemplo, os números musicais são repletos de ‘caras e bocas’ e dancinhas que fazem Rocky Horror Picture Show parecer bem coreografado, sempre evocando o exemplar mais nipônico impossível: o karaokê. Apesar das brincadeiras, é visível o respeito de Miike por sua cultura, mesmo volta-e-meia a criticando (em Audition os instrumentos de tortura são objetos caros aos orientais como incensos e agulhas de acupuntura), tanto que apesar de fazer enorme sucesso nos EUA e ser considerado “um dos diretores mais talentosos da atualidade” por nomes como Quentin Tarantino, Miike flerta com o ocidente, mas se recusa a aprender inglês, por exemplo. Um de seus últimos filmes também faz essa mistura de pólos, Sukiyaki Western Django. É isso mesmo que você está pensando: um remake do faroeste italiano Django com atores japoneses falando um inglês só possível de entender com legendas. Detalhe: Tarantino atua no filme e fala esse mesmo inglês.

O cinema importa mais a Miike do que os seus filmes, e ele faz questão de deixar isso claro, seja usando inúmeras técnicas de câmera e/ou edição numa mesma obra, seja recuperando elementos de um filme para outro sem nenhuma ligação aparente; especializando-se tanto no trash japonês como no terror comercial (Ligação Perdida já ganhou remake hollywoodiano); até episódios como A Grande Guerra Yokai que parece um episódio do Ultramen... E é nesse em especial que ele mostra que não estão nem aí com os críticos chinfrins, já que um dos principais personagens é um boneco de luva que tem menos movimentos que o Louro José. Então se você quer ver um Miike com efeitos mais perfeitos tem que procurar seus filmes mais comerciais, agora se quer ver um Miike de verdade como é o caso de A Felicidade dos Katakuri deve se despreocupar com coisas do estilo “o fio do cara que tá voando está aparecendo nitidamente” ou “que boneco mal-feito” pois isso tudo é feito intencionalmente e segundo uma entrevista do próprio Miike, ele supervisiona os efeitos especiais para que não pareçam reais demais, a menos que o filme realmente peça por isso.

Por conta disso, os cineclubes quando exibem filmes, pedem uma visão diferenciada de seu público para que por exemplo, não se assista A Felicidade dos Katakuri esperando ver um Chicago, por que a proposta não é essa, longe disso. E o que nos deixa felizes é o fato é que esse público começa a se formar, prova foi que anunciando um novo filme de Miike a ser exibido, boa parte do público vibrou, demonstrando que apesar de um único filme ter sido exibido o diretor já tem seu público em Cascavel. Fora daqui, Miike já é figura carimbada nas sessões de cineclube, o que forçou o lançamento de vários títulos do diretor no Brasil do ano passado pra cá. Infelizmente o feitiço volta-se contra o feiticeiro, pois algumas distribuidoras iniciaram uma caça-às-bruxas contra os cineclubes, como é o caso da Europa Filmes, que faz uma cruzada nacional fechando cineclubes brasileiros que exibem seus filmes, o que nos força a ter de deixar de exibir outro filme já programado de Miike, Ichi, o Assassino. E já que a maioria dos filmes exibidos em cineclubes em nada lembra o comercial, soaria irônico, caso não fosse trágico, o fato da democratização cultural ao invés de se converter em grandes investimentos, novamente seja singularizada aos tribunais de pequenas causas.

A Felidade dos Katakuri será exibido nesse sábado dia 19/04

Às 19:30h no SESC Cineclube Silenzio

A entrada continua sendo gratuita.

8.4.08

12/04 - Sonhos de Um Sedutor (com Woody Allen)

Neste Sábado Dia 12/04 às 19:30h
No SESC Cineclube Silenzio
ENTRADA GRATUITA


Allan Felix (Woody Allen), um crítico de cinema que consome filmes ansiosamente e idolatra "Casablanca", é abandonado por Nancy Felix (Susan Anspach), sua mulher, que quer o divórcio pois não agüenta mais a insegurança emocional dele. Incapaz de lidar com este momento conturbado da sua vida, Allan busca consolo nos filmes que ama enquanto imagina Humphrey Bogart (Jerry Lacy) lhe dando conselhos de como Allan deve lidar com as mulheres, sendo que estes conselhos são desprovidos de qualquer sutileza. Paralelamente, um casal de amigos, Dick Christie (Tony Roberts) e Linda Christie (Diane Keaton), tentam ajudar Allan lhe arrumando encontros com outras mulheres, mas todos resultam em total fracasso em virtude da insegurança e nervosismo de Allan. Finalmente Allan percebe que tem passado mais tempo com Linda do que com qualquer outra mulher e sente-se atraído por ela, pois é a única mulher que ele se sente realmente à vontade. Linda se mostra receptiva às investidas de Allan, pois Dick tem trabalhado tanto que ela se sente abandonada. Mas Allan carrega um sentimento de culpa, por estar amando a mulher de seu amigo.
* Informações Técnicas
Título no Brasil: Sonhos de um Sedutor
Título Original: Play it Again, Sam!
Direção: Herbert Ross
País de Origem: EUA
Gênero: Comédia
Tempo de Duração: 81 minutos
Ano de Lançamento: 1972

* Elenco
Woody Allen .... Allan Felix
Diane Keaton .... Linda Christie
Tony Roberts .... Dick Christie
Jerry Lacy .... Humphrey Bogart
Susan Anspach .... Nancy Felix
Jennifer Salt .... Sharon
Joy Bang .... Julie

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Toque novamente, Sam

Vander Colombo

Os efeitos da cultura popular nos americanos são devastadores, nos EUA, o cinema é o maior formador de opinião disparado, e chegou a exportar para diversos países (incluindo o Brasil que foi um alvo muito bem-sucedido) a maneira de falar, vestir e agir no que deveria ser o famoso American Way of Life, que já está hoje mais para Occidental Way of Life, diga-se de passagem. O cigarro fumado pelo cowboy, a coca-cola bebida pelo mocinho, o bourbon do detetive, enfim, o cinema hollywoodiano principalmente da Era Reagan em diante tornou-se o maior centro de merchandising do globo, porém a força de suas personagens já não é mais a mesma que era antes dessa fase, talvez porque a criação de ídolos hoje tenha ficado tão rápida que se torna descartável para os fãs dando lugar ao produto a ser vendido.

Motivos como esse, justificam o fato que a recente morte do ator Heather Ledger, jamais terá a comoção que teve, por exemplo, a morte de James Dean. Nos dias de hoje, Hollywood, tenta por fim revitalizar seus primeiros ícones descartáveis: Rambo, Indiana Jones, Rocky entre outros que com certeza ainda virão, como Garotos Perdidos e Tron. Porém nenhum desses saiu da esfera estritamente nostálgica daqueles que o consumiram em sua infância, tanto que Rambo hoje está apenas engraçado de um jeito triste, Rocky, decrépito e Indiana Jones já parece mais velho que seu pai, ou seja, já não convencendo como ícones, operando apenas como um back to the 80’s.

Pelo contrário, Elvis, Marilyn Monroe, Brigitte Bardot, Clark Gable James Stewart, Grace Kelly, John Wayne, além do próprio James Dean e Humphrey Bogart, tornaram-se ícones independentes de suas personagens, a tal ponto que na imaginação do fã, um e outro tornam-se o mesmo.

O próprio Humphrey Bogart foi o símbolo de uma geração: apesar de feio, magrelo, calvo e fumante inveterado, tornou-se um dos maiores sex-symbols do cinema, (segundo o próprio, por conta de sua personalidade, coisa quase impossível de se imaginar acontecer por esses tempos). Bogart juntamente com Marlon Brando tornaram-se os ícones do “macho-rebelde-mas-com-estilo”, daqueles que conquistavam suas amantes com um olhar ou com um tabefe (sem violência, é claro), e que sabiam ser doces, porém conservavam a masculinidade dos homens fortes dos quais segundo Luís Fernando Veríssimo, Clint Eastwood é o último exemplar.

No filme Casablanca, que por si só já um ícone do cinema, Bogart interpretou talvez seu papel mais marcante: Rick Blaine, o dono do bar Rick’s em Casablanca que era o ponto de fuga da Europa em guerra. Porém poucos se lembram desse nome, ou seja, era Bogart que estava lá.

O filme se fixou tanto na cultura popular que até os dias de hoje a música As Time Goes By já gravada por dezenas de intérpretes remete logo ao filme e a imagem de Dooley Wilson a executando. Além é claro da frase “Play it Again, Sam” que tomou vida própria na massa e se transformou em jargão nostálgico. Digo que tomou vida própria, porque a frase em momento algum é dita no filme.... Coisas de ícones.

Mas o assunto de hoje não é Casablanca, mas a expansão destes ícones. O que nos leva, agora sim, ao filme discutido.

30 anos depois do lançamento de Casablanca, Woody Allen havia escrito uma peça teatral chamada justamente: Play it Again, Sam, que ele mesmo reescreveu para o cinema e entregou para o amigo Herbert Ross dirigir. No Brasil chamaria-se Sonhos de um Sedutor.

O texto de Allen conta a história de Allan Felix (interpretado por ele mesmo), um crítico de cinema que está sendo largado pela esposa que reclama dizendo que Allan é um mero “espectador da vida”. Um casal de amigos (Tony Roberts e Diane Keaton) tenta ajuda-lo a recomeçar sua vida e conquistar um novo amor. O problema é que Allan não leva o menor jeito com as mulheres: é tímido, não bebe, é viciado em aspirinas, e justamente por isso, seu alter-ego que lhe aparece como uma sombra quase fantasmagórica é justamente Humphrey Bogart (interpretado com maestria por Jerry Lacy, pois o verdadeiro já havia falecido em 1957). É “Bogart” quem lhe dá as dicas de como conquistar as mulheres, ou seja, de como se tornar esse “macho-alpha” o que no corpo de Woody Allen rende piadas só igualadas por este em Annie Hall e Manhattan.

Sonhos de um Sedutor consegue inserir-se no fascínio por esses ícones que ditaram as falas, o andar e a maneira de encarar a vida de várias gerações em contraste com os anos 70 no caso, e com o humor de Woody Allen nos seus melhores momentos, fazendo parceria pela primeira vez com Diane Keaton, dando aquele ar inevitável de nostalgia mesmo já denunciando a atração doentia pelos ídolos, porém sem ter que parar a sessão para tentar empurrar-lhe uma coca-cola obsessão adentro.

Tem suas ironias, pois Woody Allen faz parte da trupe que também se tornou símbolo, sendo que os óculos de aro grosso são tão icônicos como a silhueta de Hitchcock, e justamente esses podem reconfigurar uma espécie de retorno aos ídolos, mas é lógico que do jeito moderno. Ao invés de calçada da fama podemos quem sabe ver uma homenagem a Woody Allen no parque de diversões, ou quem sabe ainda um Mac Lanche Stallone com muito colesterol ou ainda o já em construção Big Kahuna Burguer, a lanchonete que era fictícia na época que estreou Pulp Fiction.

Os ícones estão à venda. Quem dá mais?

Sonhos de um Sedutor será exibido neste sábado dia 12/04 às 19:30No SESC Cineclube Silenzio com entrada franca.

1.4.08

05/04 - Tesis - Morte ao Vivo (Alejandro Amenábar)

Neste Sábado dia 05/04 às 19:30h
No SESC Cineclube Silenzio
ENTRADA GRATUITA



TESIS - MORTE AO VIVO (Tesis - Espanha - 1996 - 125 min)
Direção: Alejandro Amenábar.
Elenco: Ana Torrent, Fele Martínez, Eduardo Noriega.
Sinopse: "Tese" conta-nos a história de Angela, uma estudante de cinema que está preparando uma tese sobre a violência no cinema e procura material áudio-visual sobre a matéria. Pouco a pouco vai se metendo de cabeça no que parece ser uma trama relacionada com os "snuff movies" (filmes que são feitos com assassinatos reais) e no quais podem estar implicados colegas de faculdades e professores. Angela contará com a ajuda de Chema, um estudante marginal que sente uma atração pelo pornô, pelo cinema gore e pelos filmes sangrentos


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O Trotuaro da Violência *

Vander Colombo

Imagine o seguinte caso: você está passeando de carro nas ruas tortas e remendadas de Cascavel, de repente, o trânsito num dia comum se torna mais lento. Lá na frente você vê um pequeno grupo de pessoas paradas no meio da rua, há um carro com placa de fora que mais parece um nó de aço retorcido, há sangue no chão. Vamos deixar mais claro: você agora já sabe que é uma colisão e sabe que não conhece as vítimas, posto os veículos envolvidos. Ah e mais! A ambulância está logo atrás de você com dificuldades para passar. Queira ou não você vai se ver num dilema: ou diminui a marcha para ver melhor, atrasando o socorro, ou vai parar o carro e sair para ver de perto, impossibilitando de vez tal socorro, embora utilize o mote: “talvez eu pudesse ajudar em algo”.

Isso vai ser egoísta da sua parte? É lógico que vai! Mas você geralmente faz sem maldade. Essa curiosidade mórbida, apesar de já estudada antropologicamente, ainda nos é mistério, já que jamais admitimos: ok, gostamos de ver sangue e violência.

Se fosse o contrário, filmes de terror não teriam lucro, tablóides empilhariam na banca, programas como Ratinho, Aqui Agora, Tribuna da Massa, e outras centenas não teriam audiência, assim como Big Brother e Pânico na TV. Os dois últimos não são propriamente violentos em seu grafismo, porém os episódios que trazem algum tipo de degradação ou humilhação humana não são os de maior repercussão?

Sangue e esperma em geral se tornam um só em casos assim. Ambos são substâncias corpóreas que só saem do corpo em momentos extremos.

Ok, o exemplo é radical, mas funciona, o que atrai na pornografia extrema, por exemplo, provém da mesma curiosidade que atrai à violência explícita.

O cinema já usou e muito essa premissa para filmes de grande bilheteria como A Bruxa de Blair, Instinto Selvagem, O Último Tango em Paris, A Paixão de Cristo; este que por sua vez consegue provar qualquer teoria do gênero, sendo o filme mais bem recebido por cristãos do mundo todo e que têm como lema a paz e a fraternidade; tema que o torna por outro lado um dos filmes mais maniqueístas e de violência extrema e a oitava maior bilheteria de todos os tempos, logo abaixo de Jurassic Park, desta vez com a desculpa: “mas foi assim que aconteceu...”. Esse mesmo mote justificaria todos os programas policiais que mostram em close, cadáveres expostos na rua ou linchamentos filmados. No caso de A Paixão de Cristo, porém vai mais longe, visto que toda a mensagem pacífica cristã nem mesmo é citada no filme, que se concentra nas 12 horas finais de Jesus. Segundo o assassino Alex do filme Laranja Mecânica “a parte boa da bíblia”.

O cinema, porém através da metalinguagem muitas vezes já discutiu o assunto com maestria em filmes como Violência Gratuita, O Vídeo de Benny e em nossa sessão desta semana: Tesis – Morte ao Vivo.

Tesis foi o primeiro longa do chileno naturalizado espanhol Alejandro Amenábar que mais tarde fez um filme chamado Abra los Ojos, que Tom Cruise gostou tanto que pediu a refilmagem americana como Vanilla Sky, e em troca financiou o único filme de Amenábar até agora em terras yankees: o sucesso Os Outros. Voltando à Espanha, filmou Mar Adentro em 2004 ficando com o Oscar de filme estrangeiro.

Amenábar tinha apenas 24 anos quando fez Tesis, porém conseguiu discutir com maturidade o fascínio pela violência. No filme Ângela decide fazer sua tese no curso de Comunicação sobre violência no audiovisual, para isso pede que seu orientador lhe consiga filmes que contenham violência extrema. Ângela desde o começo diz-se enojada pelo tema, porém mesmo contra sua vontade, sua curiosidade torna-se mais forte que suas concepções morais. A exemplo disso, a cena inicial do filme metaforicamente expõe sua própria tese sobre o assunto: Ângela está no metrô, quando é pedido a todos que saiam do vagão pois um homem havia caído nos trilhos e sido cortado ao meio. Os policiais vão orientando os passageiros a saírem, para afastarem-se e não olhar para os trilhos, isso é repetido algumas vezes, porém enquanto alguns se afastam, Ângela é instintivamente puxada para ver o corpo. O filme todo parte desse principio: “não olhe, se conseguir”.

A discussão dentro da própria linguagem cinematográfica é resumida por um professor quando este diz que “é preciso dar ao público o que ele quer ver”. Essa simples frase apesar de não discutida ou questionada explicitamente no filme abre uma discussão sem fim sobre a produção dos filmes que já citamos e de que forma eles servem à população, que de uma maneira ou de outra irão buscar / ver / consumir esse sangue derramado.

Em cima dessa frase, seria pretensioso se Amenábar fizesse um filme de arte, soaria no mínimo como um sermão sobre moral visual. Desta forma ele o transforma num thriller de suspense e no melhor filme sobre a lenda dos “snuff movies” que são vídeos onde se vê uma pessoa sendo morta propositalmente em frente às câmeras. Apesar do tema já ter rendido vários filmes, desde Cannibal Holocaust a 8mm, a existência de algum snuff nunca foi oficialmente comprovada.

Por conta disso, o curioso dessa área não tem tanto acesso quanto um consumidor de pornografia, por exemplo. A ficção é o que acaba fazendo essa parte, e o espectador, mesmo sabendo que se trata de encenação, consome a violência, nas palavras de Rose Hikiji, “como um olho a espreitar a fechadura”. Porém o nível de realidade exigido por esse consumir tem crescido à passos largos, tanto que filme que outrora chocavam como Laranja Mecânica, Amargo Pesadelo, Quadrilha de Sádicos, já não têm o mesmo efeito, abrindo espaço para filmes que não mais questionam o fascínio, e acabam somente o satisfazendo, como por exemplo: Irreversível; O Albergue; e os exercícios de morbidez nipônica, a série Guinea Pig que encena snuffs.

Os cinemas cascavelenses por outro lado são redutos do consumo desse fascínio, porém em seu viés politicamente-correto, seja James Bond, Rambo, Van Damme, e o já tão falado Tropa de Elite, atendem ao mesmo chamado da violência explícita, porém utilizando do artifício maniqueísta de estar sempre do lado do bem. Nestes, a violência por mais absurda que seja, sendo direcionada a alguém por quem durante duas horas lhe foi convencido que a merecia, é automaticamente abrandada.

É lógico que não vou generalizar. Vez ou outra, nossos cinemas tem exibido filmes que saem dessa categoria, todavia em grande parte das vezes tem menos espectadores que aquele acidente de trânsito.

“Tesis – Morte ao Vivo” será exibido no SESC Cineclube Silenzio

neste sábado dia 05/04 às 19:30hrs no SESC Cascavel.

A entrada é gratuita...

e livre a todos os curiosos.




Texto publicado na Gazeta do Paraná de Domingo (30/03) Caderno Gazeta Alt todos os domingos