20.5.10

27 a 29/05 - Trilogia de Apu + Oficina de Roteiro II

De 27 a 29/05 de 2010
Mostra Satyajit Ray (Trilogia de Apu) + Oficina Roteiro II (20 Vagas) Inscrições Abertas!!!
No SESC Cascavel - Entrada e Inscrição Grátis





Satyajit Ray foi um dos melhores e mais conhecidos diretores de cinema da Índia. Nasceu em Calcutá, no segundo dia de maio de 1921 e faleceu em 1992. Ganhou importantes prêmios internacionais e por duas vezes consecutivas foi apontado o melhor diretor no Festival de Berlim. Recebeu um Oscar Honorário em 1991 pelo conjunto da obra. De uma família de intelectuais, era formado em Ciência Empresarial e Física. Em 1947, ajudou a fundar a Calcutta Film Society. Ray trabalhou como diretor assistente do cineasta francês Jean Renoir, quando este filmava O Rio Sagrado (1951) na Índia. Conheceu posteriormente o italiano Vittorio De Sica e o neo-realismo, que acabou influenciando-o na realização de ´A Canção da Estrada - que integra a sua Trilogia de Apu, sobre um típico personagem indiano.


Trilogia de Apu: um breve olhar para uma grande obra imortal

Como se possível resumir, é importante – para aqueles que não conhecem sua história e obra – saberem ao menos um pouco sobre um dos maiores cineastas da Índia: Satyajit Ray. Vindo de uma família de artistas, Ray nasceu em Calcutá em 1921 e, após um período trabalhando como artista comercial, ele encontrou-se com o universo do cinema através de sua experiência ao ver pela primeira vez o filme Ladrões de Bicicleta e de conhecer o cineasta francês Jean Renoir, com quem trabalhou posteriormente como assistente de direção no filme O Rio Sagrado. Ao longo de toda sua carreira dirigiu 37 filmes, dentre ficções, documentários e curtas-metragens. Um pequeno sopro para uma leve idéia de quem foi Satyajit Ray.

Em 1955 Ray dirigiu seu primeiro filme, que viria a se tornar uma famosa trilogia, conhecida por Trilogia de Apu. O primeiro deles, A Canção da Estrada é talvez o mais belo dos três, uma obra de poesia pura, crueza, delicadeza para com a história que se propõe a contar e uma visão estética e simbólica que rememoram não só sua influência com Renoir e o Neo-Realismo Italiano, mas a interessantíssima junção dessas influências com o cinema clássico americano dando início a uma obra também particular, de um cineasta com fortíssimos traços do cinema de autor tão refletido pelos pensadores da Nouvelle-Vague.

Uma das maiores qualidades desta trilogia é o fato dela transcender sua localidade, sem deixar de estar enraizada nos valores, costumes, religião e cultura indianos. Mesmo construindo filmes que refletem completamente uma realidade vivida na Índia, Ray os transformou em algo universal, atemporal. A história de Apu poderia ser a de muitos, assim como os sentimentos ali desaguados em cada personagem.

A Canção da Estrada é o princípio de uma história que terá como personagem central, Apu. Uma família vive numa aldeia em Bengal, nos anos 20. Esposa, marido, filha (Durga) e bisavó são apresentados pouco a pouco nesse filme cuja paciência é a maior virtude. Paciência com a construção e evolução dos personagens, duração dos planos, economia de cortes, ampliação do quadro revelando o que guarda em seu extracampo, muitas vezes desvendando nele o personagem que interage com aquele inicialmente enquadrado pela sua câmera.

É como se Ray refletisse de uma maneira semelhante à de Orson Welles, em sua explicação à predileção pelo uso da profundidade de campo: para Welles, esta maneira de filmar possibilita ao espectador escolher (assim como no teatro) o ponto que prefere observar, sem privá-lo de poder acompanhar qualquer detalhe da cena. No caso de Ray, ao abrir seu enquadramento, ele não somente apresenta essa possibilidade de escolha, como dá igual importância à ação e reação de todos os presentes.

Outra estratégia muito usada por ele é na mesma seqüência entrarem e saírem (do quadro) personagens que participam da situação. Um dos exemplos marcantes é a discussão da mãe com a bisavó por causa das frutas que Durga rouba para ela. A seqüência se inicia após a mãe ouvir sua cunhada reclamar dos roubos da menina e de sua má educação. Durga deixa a fruta roubada junto da cesta da avó que a percebe assim que a mãe entra na aldeia. Ela chama pela filha, pergunta onde está a fruta roubada e a manda devolver. No corte, temos a avó molhando as plantas enquanto a menina passa ao fundo do quadro. O corte nos leva à mãe lamuriosa e à avó que entra lentamente no quadro, para iniciar a conversa das duas.

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Na metade do filme, uma nova discussão entre elas é iniciada em uma montagem paralela que acompanha a mãe e a bisavó e simultaneamente, Durga e Apu no arrozal. Nessa seqüência é extremamente marcante o uso do simbolismo por Ray. A figura do trem marca toda a trilogia, não somente como representante de uma passagem, como de uma tragédia que desencadeará uma mudança. A mãe expulsa a avó da aldeia numa cena toda entremeada por cortes entre as duas até o momento em que elas se encontram no plano e a avó vai embora para morrer na floresta. Enquanto isso, Durga e Apu ouvem o barulho do trem e somente Apu consegue vê-lo. Ao retornarem para a aldeia, as duas ações se encontram. Durga vê a avó encolhida na floresta e percebe sua morte.

A sutileza de sua narrativa é revelada pelo interesse que Ray demonstra ter com seus personagens, sejam eles os seres humanos presentes ali, seja a natureza, que é filmada como parte pertencente da trama, dos dramas, das redenções. As expressões são intensamente valorizadas, em planos-detalhes dos olhares reagindo, das mãos calejadas, dos pés caminhando, do silêncio que Ray parece reconhecer ser a mais expressiva das linguagens. A natureza funciona como um catalisador, um ser vibrante que pressente, atua, interage, reflete estados d´alma. A seqüência que prenuncia o temporal no qual Durga irá banhar-se numa espécie de “dança da morte” inicia-se com diversos planos do rio, do vento, das gotículas de chuva na água. Quando da morte do pai deles, assim que ele desfalece, os pássaros voam alto e vemos o rio ao fundo e a cidade continuando seu caminhar.

durga

A presença da natureza como ser vivo que permanecerá após aqueles desastres traz à memória um poema de Fernando Pessoa que poderia ter acompanhado os planos e catarses dessa trilogia. Diz ele:

“Quando vier a Primavera,

Se eu já estiver morto,

As flores florirão da mesma maneira

E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.

A realidade não precisa de mim.”

Como se Ray soubesse que apesar da força de seus personagens, de sua importância, o que ele retrata para além de qualquer coisa é a força do cinema representada por essa beleza estética e viva da natureza. E isso certamente deverá continuar no findar de seus filmes.

É interessante a maneira como Ray insere Apu e coloca sua presença lentamente como protagonista da história. Em A Canção da Estrada ele é uma criança que percebe o seu redor, mas não possui discernimento para compreendê-lo racionalmente. É um filme todo conduzido pelas suas mulheres, uma vez que o pai de Apu, pregador e constante frustrado em suas tentativas de trazer dinheiro para casa, está quase sempre ausente. A mãe de Apu é o coração de tudo, o olhar que mais acompanhamos, a angústia presente em cada cisão, em cada ausência. É ela que aparece em quase todas as seqüências do filme, seja através de sua voz chamando os filhos, seja através de sua dureza racional claramente adquirida com a dor dos anos de escassez.

Apu cresce logo após conhecermos todo seu passado, as agruras pelas quais sua família passou, as perdas que o tornaram um idealista nato. Todos os personagens parecem ter igual importância em sua saga, como se ao conhecê-los, pudéssemos adentrar o universo de Apu de forma mais completa, verdadeira.

No segundo filme da trilogia, O Invencível, Apu e seus pais seguem para outra cidade, já na ausência da bisavó e de Durga. Apu vai criança; lá, chega à adolescência. Nesse ínterim, convive com outras pessoas, faz novos amigos, intensifica seu desejo de estudar, de ir além das barreiras que foram impostas desde o início. Perde o pai e a mãe na continuidade de sua jornada, decide ir trabalhar em Calcutá.





O título do filme colocando-o como “invencível” demonstra certa ironia, uma ironia da própria vida retratada, que lhe tirou tudo e somente restou ele próprio e seus sonhos. A morte de sua mãe, além de muito bela, acompanha um dos simbolismos mais fortes para o personagem de Apu até então. Ele chega à aldeia após receber um aviso de que ela estava doente. Não a encontra e a câmera acompanha seu tio ao longe, em uma expressão que irá se repetir na vida de Apu, significando a impossibilidade de ele reencontrar quem procura. Apu senta-se defronte uma árvore e Ray abre seu enquadramento, deslocando a câmera para o lado esquerdo e evidenciando ao fundo de um Apu imerso em lágrimas, todo um extenso campo, uma imensidão da qual não se vê seu final, numa espécie de metáfora do que havia restado para ele. Seu mundo, o mundo de Apu.

Para concluir a trilogia, O Mundo de Apu. Este terceiro filme já não possui cenários tão belos como o primeiro, a natureza (principalmente em seu início) não está tão presente. Apu está adulto, é um intermediário em ciências e, após frustrar-se com a idéia de dar aulas, decide escrever uma novela autobiográfica e tornar-se escritor. A câmera agora o acompanha quase que por inteiro em seus silêncios, em sua solidão, em sua rotina. Não há muito espaço para que o acompanhem no quadro, uma vez que Apu encontra-se praticamente sozinho e em espaços cada vez menores. Após encontrar-se com um amigo que o convence a acompanhá-lo no casamento da prima, Apu depara-se com a possibilidade de alterar seus caminhos casando-se com a moça.

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Ray não abandona a ternura, ela cresce neste filme aos poucos, à medida que Apu e Aparna se apaixonam. Dessa vez o conduzir da narrativa não deixa espaços para prenúncios de nenhum desastre através da natureza, como nos outros dois filmes. A catástrofe final que acompanhamos de Apu vem toda seca, sem avisos, sem espaço para podermos respirar. Aparna morre no parto do filho de Apu, que passa 5 anos com a família da mãe sem conhecer o pai. O Mundo de Apu, ainda que um filme que força mais a racionalidade e o crescimento de seu personagem agora só, é uma profusão de pequenos instantes simbólicos e majestoso uso de imagens como metáforas. Um exemplo se dá num belíssimo raccord da avó de Aparna chorando diante do berço do bebê, em que, após seu suspiro a imagem se prolonga até a onda do mar que um Apu desiludido observa. É um filme que simboliza a quase desistência, o rompimento com a idéia de “invencibilidade”, uma imensidão de um mundo e uma nova ironia de Ray. O “mundo de Apu” para ele é quase nada.

A redenção desta vez vem com a ajuda da natureza, como se pudéssemos enfim fazer as pazes com ela. Em sua viagem, Apu observa o mar (como dito acima), vê as montanhas, observa as árvores na floresta como que retomando seus próprios passos. Lá, ele abandona as páginas de sua autobiografia e deixa para trás a estrada, o passado, o trem que se foi. Apesar de todos os tristes passos, Ray finaliza sua saga com um sorriso, um traço de esperança.



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A realidade da Trilogia de Apu é dura, cruel, seca. A vida ali é paradoxalmente repleta de vida (ainda que entremeada de tantas mortes), de natureza, sons, movimento. Os planos são belíssimos, os olhares intensos, os raros sorrisos, memoráveis. Ray passeia entre o bem e o mal, a saúde e a doença, a vida e a morte, numa doçura e realismo impressionantes. Sua maneira de dissecar a realidade social da Índia traz à memória Rio 40 Graus, do brasileiro Nelson Pereira dos Santos, filme contemporâneo a Canção da Estrada. A forma com que a câmera imerge nos ambientes, apresenta seus personagens, os encara sem julgá-los, os acompanha sem ilusões. Um cinema dito “novo”, que vem com a força do real e a intensidade dos grandes poetas.

Apesar de serem filmes permeados por muitas tragédias, fome e pobreza, há sempre uma idéia de esperança em seus planos, em sua construção cênica. Essa parece ser, para além da história que ele sabe muito bem contar, uma esperança no cinema, em seu potencial e sua força artística.

Filmes Citados:

Ladrões de Bicicleta (Ladri di Biciclette,1948/Vittorio De Sica)

A Canção da Estrada (Pather Panchali,1955/Satyajit Ray)

O Invencível (Aparajito,1956/ Satyajit Ray)

O Mundo de Apu (Apur Sansar,1959/ Satyajit Ray)

Rio 40 Graus (idem, 1955/Nelson Pereira dos Santos)

http://www.filmespolvo.com.br/site/artigos/raccord/495



27/05 - 19:30h - A CANÇÃO DA ESTRADA (1955, Índia, 115 min)

Uma das obra-primas do cinema mundial, incompreensivelmente inédita no Brasil e nas Américas. Este filme foi a estreia espetacular de Satyajit Ray. Recuperada a finais dos anos 90, pois um incêndio destruiu os negativos originais, esta é a primeira fita, que deu origem a TRILOGIA DE APU. Nele se narra a comovente história de uma família de Bengali perseguida pela má sorte. O pai, Harihara, é um sacerdote mundano, curandeiro, sonhador e poeta. Sabajaya, a mãe trabalha para alimentar a uma família, que recebe com alegria e esperança a chegada de um novo filho, Apu.



28/05 - 19:30h - O INVENCÍVEL (1956, Índia, 104 min)


APARAJITO, como os outros títulos da Trilogia de Apu, é também inédito nas Américas, mas que desde sua estréia nunca deixou de aparecer entre os Cem Melhores Filmes da História. Recuperada nos finais dos anos 90, pois um incêndio também destruiu os negativos originais, este filme foi realizado por Satyajit Ray por causa do sucesso de PATHER PANCHALI (A Canção da Estrada) e mostra a juventude de Apu em Benaré, seu desejo de independer-se e estudar em Calcutá, para poder levar uma vida diferente da que havia conhecido com seus pais.



29/05 - 19:30h - O MUNDO DE APU (1959, Índia, 100 min)


Com APUR SANSAR (O Mundo de Apu), Satyajit Ray concluiu a Trilogia de Apu e assim criou a melhor e mais bela trilogia da História do Cinema. Apu logrou tragicamente sua ânsia de independência e sente reforçada sua ânsia de conhecimento. Os desejos de escrever, sonhar e amar parecem cumprir-se ao conhecer Aparna e contrair matrimônio. Recuperada a finais dos anos 90, depois do incêndio que destruiu os negativos originais, é uma obra-prima do cinema mundial, e uma das mais ternas e sensíveis histórias de amor, que, até a presente edição, permanecia inédita nas Américas.

OFICINA DE ROTEIRO II


Dia 29/05

Das 09h às 12h

Das 14h às 17h