8.9.08

13/09 - Izo (Takashi Miike)

Neste sábado dia 13/09 às 19:30
No SESC Cineclube Silenzio
ENTRADA GRATUITA




IZO de Takashi Miike
“Amor é uma palavra; uma palavra não é necessariamente acompanhada com a natureza fundamental de seu significado”.

Bernardo Krivochein (Rio)

Coitada da violência, um sentimento absolutamente natural para os seres vivos, mas demonizada em absoluto pela filosofia deixa-disso da sociedade conformista mela-cueca. Arnaldo Jabor já havia escrito um ensaio brilhante sobre o verdadeiro significado do “Basta!” que estampava os lençóis dependurados nas janelas da classe média carioca, oprimida pela violência urbana, mas só até onde ela a atinge, veja só. Coitada da violência porque ela é o que é, existe exatamente para causar o rebú que causa, mas é rejeitada, excluída, tida como algo a ser eliminado.

Pois o samurai em “Izo” é exatamente isso: a personificação não só da violência, mas de tudo aquilo inaceitável e revoltante numa sociedade. Em cima desse personagem principal, o diretor mais prolífico da atualidade, Takashi Miike (tão produtivo que fica difícil até para os fãs se manterem atualizados com sua filmografia), se joga com a cara e a coragem, faz seu filme mais arriscado e pessoal, entrando em sua nova fase enquanto artista.

Eu sei que vivo falando do sujeito, uma introdução – com todo respeito – ao diretor é tão dispensável quanto é repetitiva, mas no caso particular de “Izo”, faz-se necessária (sem contar que eu quero e está acabado). Miike ganhou adoração (e náusea) mundial enfiando o pé na proverbial jaca cinematográfica, transformando-se no grande nome da Hyperviolence (se você exige tradução do termo... na boa, amigo: se mata). Entre jatos de sangue arterial, Miike se mostrava um exímio contador de histórias inusitadas através de ângulos idem, com a agilidade de um moleque de 5 anos com açúcar União até os cornos. Seja em “Fudoh”, no primeiro “Dead or Alive ou no elogio à miscigenação de “The City of Lost Souls” (... o filme tem um protagonista brasileiro e metade dos diálogos em português! Nunca ter sido lançado comercialmente aqui é um ultraje, sem contar que vale só pela hilária cena de briga de galo), Miike era um diretor rebelde, inconseqüente, bêbado e absolutamente fascinante. Mas, assim como acontece com qualquer um, Miike teve que crescer. Sua puberdade diretorial apareceria no completo descaso à continuidade narrativa do segundo episódio de “Dead or Alive” (por sinal, o melhor) e na realização de duas das suas obras mais importantes, “Ichi the Killer” (que um amigo chama de “O Poderoso Chefão vai à um clube S&M”) e “O Teste Final”, onde já ensaiava suas alfinetadas à sociedade japonesa, mas ainda de maneira descontraída.

Tendo que pôr comida na mesa, Miike também ensaiava seus passinhos num cinema mais comercial, como é o caso de “Zebraman” e “One missed call”, sendo até bem sucedido no campo, mas ao custo de uma assinatura mais forte. Deve ser aí que algum fusível queimou. “Gozu”, onde o diretor abandona voluntariamente o que lhe restava de aceitável comercialmente, seria uma tentativa um tanto forçada de se estabelecer enquanto autor, filme um tanto laborioso e indeciso para seu próprio azar que dividiu seus seguidores, mas foi ignorado por completo quando exibido em Cannes (uma frustração que o diretor fez questão de fazer pública no site do filme). Eu, por exemplo, não gostei – e não gosto ainda - de “Gozu”, mas não me sinto mal por isso (e por fazer pública também o quanto “Gozu” me decepcionou), pois a rejeição à “Gozu” gerou “Izo”, a mais nova obra-prima de Takashi Miike, um filme forte o bastante para figurar junto a todas as outras e que se destaca pela sua singularidade.

Desde o começo, “Izo” mostra a que veio: utilizando imagens de arquivo e originais, Miike coloca em paralelo o nascimento e morte do personagem principal (interpretado brilhantemente pelo artista plástico Kazuya Nakayama). Ao juntar as duas pontas da passagem do personagem pelo planeta, o diretor as iguala e segue adiante para igualar geração e destruição, prazer e dor, a beleza e o horror, tudo isso numa inesquecível seqüência de montagem de imagens reaproveitadas. No momento que o personagem já viveu e já morreu, resta apenas sua essência que, por convenção, é um conceito etéreo que não conhece limites. Se, como Einstein afirmou, o tempo não existe, resta a Izo mostrar a que veio através das épocas. E isso tudo acontece antes do título do filme.

Porque, se você quer saber, o filme não tem história. Superficialmente, Izo seria um samurai da época feudal (de que outra época poderia ser) com o poder de viajar no tempo, pois precisa assassinar os governantes que, por acaso, só existirão no futuro (“Highlander” japonês? Nem tanto). Assim, por onde passa, Izo deixa um rastro de picadinho humano. Mas o filme não pode e não quer ser entendido dessa maneira. Miike não deixa. “Izo” é a ilustração de uma tese de Miike, além de um mergulho de cabeça no subconsciente perturbado do diretor que obviamente estava lidando com sentimentos de angústia e deslocamento. Onde quer que passe, e qualquer seja a época em que esteja, Izo é constantemente perseguido por ser apenas aquilo que ele é. Izo não escolheu ser um “Magic Bullet” humano, ele nasceu assim. O conturbado estado de espírito do personagem é pontuado pelas performances de canções, digamos, folk-góticas na voz trovejante do cantor japonês Tomokawa Kazuki (maltrata esse violão, Kazuki!). Minhas suspeitas de que o filme traz consigo a tal frustração de ser desconsiderado num dos maiores festivais de cinema do mundo fica claro quando Izo surge dentro de um julgamento e acaba sendo condenado.

“Izo” não é para ser assistido como um filme convencional. “Izo” é, mais do que nenhum filme jamais foi, a reprodução fiel de um sonho intenso, até os mínimos detalhes estéticos, reproduzidos com uma sensibilidade assustadora. Vamos para o prático: uma vez eu sonhei que estava numa sala de embarque de um aeroporto que, mesmo que fosse o interior de uma das 57 escolas onde estudei, eu sabia que era um aeroporto. Enfim, ao tentar embarcar no avião (como é que cheguei lá fora?...), a aeromoça disse que eu não poderia embarcar, já que eu não tinha um biquíni amarelo (estou dispensando a psicanálise desse detalhe), o que dentro do sonho fez o mais completo sentido. Desci da escada de embarque, fui para o hangar, onde havia a passagem para um shopping qualquer (na realidade, era o Barra Shopping, ou se parecia com tal). Só sei que quando cheguei, o sonho mudou de prioridade, da qual não me lembro no momento e acabou esqueci como.

Essa é o fator de entretenimento a ser encontrado em “Izo”: deitar o filme no divã e analisá-lo, suas simbologias, seus significados. A lógica, no filme de Miike, foi afugentada pela janela; é a conexão de idéias e de possíveis sentidos (embora pouca coisa seja ambígua de fato) que segura nossa atenção e, nesse quesito, o filme é altamente participativo com a platéia. E mesmo quem não está muito afim de sair para brincar, pode se divertir com o delicioso fio subconsciente da narrativa, onde o personagem sai de um frame de 1865 e cai no presente (ou futuro, se você interpretar dessa forma), só para de lá, encontrar uma passagem para o além e parar na Guerra de Onin. Um momento clássico de sonho se encontra quando Izo mergulha num lago, afunda e acaba saindo pela superfície de outro lago, no lado oposto do mundo, caindo diretamente num casamento, filmado de cabeça para baixo. Tanto esse despojamento quanto a quantidade de sangue cenográfico derramado nos remetem a Alejandro Jodorowsky e seu faroeste cult “El Topo”.

A higienização da arte com o intuito de se ganhar mais lucro, uma vez que mais branda a censura, maior o público a ser atingido, já sacrificou muita gente bamba e, sendo o diretor que é, Miike é uma das vítimas mais óbvias. É na arte que a violência humana pode ser melhor “desabafada” – se alguém é influenciado por aquilo que vê, a culpa não seria da imbecilidade de quem viu? (ao contrário do que a cultura litigiosa quer nos convencer?) – e agora querem destruir o parquinho onde ela podia dar suas corridinhas. Somando seu protesto a sua descontração com a unidade narrativa, Miike resolve exorcizar muitos de seus dissabores, botando o samurai para executar yuppies, criancinhas fofas, esses pobres coitados dos espectadores incautos, políticos (MUITOS políticos – os vilões, aliás, só se preocupam com Izo pela má influência que ele causaria em seus “financiadores”), além de uma infinda declaração de truísmos por quase todos os personagens, o que é imediatamente associável com os últimos filmes de Godard (o que já é outra discussão). A crítica a auto-indulgência, ao cinismo das gerações atuais e especialmente ao “politicamente correto” encontra-se altamente explícita na cena da escola, onde Miike põe crianças de 8 anos dizendo coisas como: “Amor é uma palavra; uma palavra não é necessariamente acompanhada com a natureza fundamental de seu significado”, e meu preferido “Nação é um delírio maléfico só existente nas mentes humanas; uma noção imaginária de falsidade que existe apenas para controlar e governar pessoas que instintivamente se aglomeram em bandos.” Nada sutil, mas nossa época hipócrita não consegue mais arcar com lá muita sutileza. Se o cerne da obra mantém-se aberto à interpretação, o mesmo não se pode dizer às posições pessoais do diretor.

O filme tem sua faceta política facilmente reconhecível, uma vez que cada vez que a violência contra Izo acaba gerando ainda mais violência vinda de Izo (e não é necessário nenhum gênio para traduzir isso para os nossos tempos e situação mundial), um ciclo infinito de guerra (Miike inclusive põe o personagem correndo pelas curvas de um símbolo gigante de infinito, como se ilustrando no quadro-negro para aquele aluno que não entende de maneira nenhuma o problema), mas sinto que o incômodo do filme é principalmente existencialista. O que o filme tem de Nietzche e o lado negativo do existencialismo não é brincadeira. Talvez Miike seja um psicopata em potencial, mas auto-diagnosticado, encontrou no cinema onde trabalhar essa sua faceta socialmente inaceitável, mas artisticamente louvável. Talvez ele tema pelo futuro de todos quando a violência cênica for eliminada. Tudo o que Izo quer é reconhecimento divino, assim como todos que reconhecem Izo sabem que a solução é simplesmente não ficar no caminho dele.

É claro que o filme é para poucos, que é necessário um bocado de sais minerais para a sessão de mais de duas horas de um filme, no mínimo, experimental. Mas só um pouquinho de disposição e boa vontade (além de uma porção de cautela) servem de chave para a descoberta de um filme, sinceramente, foda até dar coice. É uma das obras mais reflexivas, inconformadas e puramente bizarras já produzidas no cinema, vão demorar décadas até que “Izo” seja descoberto e analisado como merece. Takashi Miike entra na idade adulta. Longa vida a Takashi Miike.

(coisa esquisita, acabei de perceber que esqueci como o filme termina)

"“Izo” Japão, 2004. 128 mins. Direção: Takashi Miike. Estrelando: Kazuya Nakayama, Takeshi Kitano, Renji Ishibashi, Kenichi Endo, Ken Ogata.

Um comentário:

joe3D disse...

acabei de ver esse filme, e tudo que voce escreveu sobre eu assino em baixo, filme espetacular, to cada vez mais fã do miike, o q fodeu foi o dead or alive, que termina com um lança missil e um kamehameha, akele foi triste husarhusarhuasrhuars