28.5.08

31/05 - Tartarugas Podem Voar

Este sábado dia 31/05 às 19:30h
No SESC Cineclube Silenzio
ENTRADA GRATUITA




Ficha Técnica
Título Original: Lakposhtha Hâm Parvaz Mikonand
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 95 minutos
Ano de Lançamento (Irã / Iraque): 2004
Estúdio: Mij Film Co. / Bac Films
Distribuição: Bac Films / Imovision
Direção: Bahman Ghobadi
Roteiro: Bahman Ghobadi
Produção: Babak Amini, Hamid Karim Batin Ghobadi, Hamid Ghavami e Bahman Ghobadi
Música: Hossein Alizadeh
Fotografia: Shahram Assadi
Desenho de Produção: Bahman Ghobadi
Edição: Mustafa Kherqepush e Haydeh Safi-Yari



seta3.gif (99 bytes) Elenco

Soran Ebrahim (Satellite)
Avaz Latif (Agrin)
Saddam Hossein Feysal (Pashow)
Hiresh Feysal Rahman (Hengov)
Abdol Rahman Karim (Riga)
Ajil Zibari (Shirkooh)


seta3.gif (99 bytes) Sinopse
Em uma vila de curdos no Iraque, na fronteira entre o Irã e a Turquia e pouco antes do ataque americano contra o país, os moradores locais buscam desesperadamente uma antena parabólica, na intenção de ter notícias via satélite.


A cidade inteira gira em torno de Satélite. Satélite é um menino de óculos que lhe tomam metade do rosto. Ele traz e instala antenas nos vilarejos entre a fronteira do Irã com o Iraque, tanto as convencionais quanto as parabólicas. Negociante precoce, ele arruma sustento para os órfãos curdos fazendo-os recolher minas americanas que ele posteriormente vende a um comerciante local. Além disso, Satélite também é o intérprete dos acontecimentos que estão prestes a ter lugar naquela localidade: estamos nas vésperas da invasão americana ao Iraque, e os anciãos do vilarejo instalam uma parabólica para tentar se antecipar à declaração de guerra e preparar-se para o pior. Satélite (pronúncia americana, "sateláit"), com suas duas ou três palavras em inglês, é a única pessoa que parece possivelmente capaz de desvendar a fala dos canais americanos que desencadeará a guerra. Tartarugas Podem Voar é um nome poético para designar dois percursos: o primeiro é o do menino self-made-man que venera tudo que é made in USA mas que perde tudo que tem por causa de coisas made in USA; o segundo é o percurso de uma mina que explode - um objeto semelhante a uma tartaruga encolhida que, ao contrário do animal, se abre quando alguém encosta nela, e voa, tirando pedaço daqueles que estão por perto.
Bahman Ghobadi, em seu terceiro longa, não abandona seu sadismo característico de estabelecer tensões emocionais a partir de aleijados e animais em situações delicadas e daí tentar extrair sentimentos "humanos" ou evocações humanitárias. Mas dessa vez o coquetel vem recheado de uma densidade inesperada, menos estética do que política. Antes dos Estados Unidos invadirem fisicamente as terras, pela presença das tropas, eles já invadiram todo o resto: o solo através das minas americanas, a língua através das saudações e das outras palavras que Satélite troca com seus parceiros de negócios, o imaginário a partir dos canais de televisão (tanto os canais permitidos quanto os "proibidos", os de música, de comportamento e de sexo), e até a prole, uma vez que o filho da menina Agrin foi concebido através de um estupro por soldado americano. Vendo nela uma pessoa tão solitária quanto ele, Satélite se apaixona por Agrin e completa enfim seus códigos e sua dependência em relação aos EUA: tudo que diz respeito a Satélite foi ou será tocado pela presença americana, da qual ele será – sem trocadilho – um satélite, e um satélite que servirá de astro maior a toda a comunidade, esta também tornada satélite do menino.
Tartarugas Podem Voar comove em alguma medida porque jamais nos impõe essa centralização. Vemos aos poucos que todo o entorno de Satélite vai sendo destruído pela mão imaterial americana, mas isso nunca é telegrafado diretamente para nós. É pela acumulação discreta de signos que podemos "ver" o que acontece. E "ver" tem um significado bastante específico no filme. "Ver" não é da natureza laica da visibilidade ocidental, mas do destino e do desígnio: Satélite precisa interpretar como um oráculo as imagens (que ele não entende) da televisão, mas, sabendo que ele não é nem oráculo e muito menos um verdadeiro intérprete, ele espera que um outro faça por ele a profecia (dessa vez uma verdadeira profecia) e ele possa, como falso oráculo, declarar a iminência da guerra. Seguem planos de helicópteros americanos chegando e distribuindo folhetos em que dizem que são a salvação do mundo, enquanto ao longo do filme vemos que os estilhaços deixados pela presença americana são de forma global a própria razão da penúria daquela gente. Poderosa arte de apenas mostrar, esperando que a síntese se faça somente na cabeça do espectador (assim como a relação tartaruga=mina), dando a ele a liberdade de entrar na história e ruminar por si próprio a complexidade de visões e interesses do qual o filme é questão. Satélite é um ditador? É um santo? É o porta-voz da desgraça ou a última chance de esperança? Mártir ou vilão? Bahman Ghobadi parece muito mais interessado na ambigüidade – que, no mais, é a dele próprio, de diretor com preocupações políticas mas também cheio de crueldade em filmar o que filma – do que na defesa cega de uma figura fácil demais de se identificar. Através de Satélite, repousa toda a problemática do cinema de Bahman Ghobadi e, especificamente, de Tartarugas Podem Voar, filme comovente em sua sinceridade formal e em sua falta de jeito estilística.



23.5.08

24/05 - C.R.A.Z.Y - Loucos de Amor

Neste Sábado dia 24/05 às 19:30h

No SESC Cineclube Silenzio

ENTRADA GRATUITA

C.R.A.Z.Y. - Loucos de Amor

(C.R.A.Z.Y., 2005) » Direção: Jean-Marc Vallée » Roteiro: Jean-Marc Vallée, François Boulay » Gênero: Comédia/Drama » Origem: Canadá » Duração: 127 minutos » Tipo: Longa » Trailer: clique aqui » Site: clique aqui

» Sinopse: Esta é uma história de dois casos de amor. Um amor de um pai pelos seus cinco filhos e o amor de um filho pelo pai. Um amor tão forte capaz de fazê-lo viver uma mentira. Uma mística fábula sobre os dias modernos, C.R.A.Z.Y expõe a beleza, poesia e loucura do espírito humano e todas as suas contradições. O filho, Zac Beaulieu, nascido em 25 de dezembro de 1960, é diferente de todos os irmãos e tenta desesperadamente encaixar-se. Durante 20 anos, a vida o guiará por caminhos inesperados e surpreendentes, levando-o a aceitar sua verdadeira natureza e, ainda mais importante, levando seu pai a amá-lo como realmente é.

» Elenco ::.

-

Ator/Atriz

Personagem

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Michel Côté

Gervais Beaulieu

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Marc-André Grondin

Zachary Beaulieu, de 15 a 21 anos

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Danielle Proulx

Laurianne Beaulieu

-

Émile Vallée

Zachary Beaulieu, de 6 a 8 anos

-

Pierre-Luc Brillant

Raymond Beaulieu, de 22 a 28 anos

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Maxime Tremblay

Christian Beaulieu, de 24 a 30 anos

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Alex Gravel

Antoine Beaulieu, de 21 a 27 anos

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Natasha Thompson

Michelle, de 15 a 22 anos

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Johanne Lebrun

Doris

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Mariloup Wolfe

Brigitte, de 15 a 20 anos

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Francis Ducharme

Paul

Blame Canadá!

Vander Colombo

O cinema canadense é uma incógnita por aqui, muitos conhecem David Cronenberg, por exemplo, de clássicos de terror como A Mosca, Gêmeos - Mórbida Semelhança, porém poucos sabem que ele veio da terra ao norte dos EUA. Outros ainda tiveram mais contato recentemente com Denys Arcand, que ficou mais conhecido depois de ganhar o Oscar com As Invasões Bárbaras.

Tirando esses, alguém lembra de cabeça o nome de um diretor canadense atual? Não? Tudo bem, eu não sou exceção. E não é pelo fato de o país produzir pouco, mas por esses títulos não chegarem por aqui, ou ainda serem confundidos com filmes franceses ou americanos (dependendo da língua que foram feitos), ou mesmo relegados a lançamentos direto em vídeo. É uma pena, até porque como bom cinéfilo gostei de todos os títulos canadenses que pude conferir até hoje. Não é segredo que o país tem um certo desprezo cultural para com seu vizinho famoso, e quando pode lhe manda um petardo cínico.

C.R.A.Z.Y. – Loucos de Amor é um típico filme canadense a ser confundido com filme francês, é humorado e perturbador com equilíbrio, e torna a pegar um tema “querido” tanto canadense como francês: a família disfuncional.

C.R.A.Z.Y conta a história de Zack, 4o filho de cinco num período de quase 30 anos desde seu nascimento (numa noite de natal), sempre pegando a data do natal como referência ao seu crescimento e principalmente às suas descobertas, sejam ideológicas, políticas ou, principalmente, sexuais.

O pai com seus conceitos direitistas cheios de falso moralismo, a mãe terna, porém esotérica em demasia, os irmãos ora medíocres, ora “mudernos” demais, enfim, nada melhor que o natal para analisar o quão triste é o mundo que o rodeia.

Até Zack percebe que vez ou outra traz resquícios familiares que tanto o afetam. Até porque o filme consegue passar ao largo da mesmice e da canastrice que impregnam outras fitas do gênero. Por exemplo, apesar de estar tratando de um tema que volta e meia cai “sem querer querendo” na armadilha da pieguice, C.R.A.Z.Y. por utilizar uma visão quase que rock ‘n roll das dificuldades que Zack tem em ser diferente numa família que prega a “clonagem” de pai pra filho, consegue ser dinâmico e reflexivo, vez ou outra recorrendo a um mundo que só existe na cabeça do personagem.

Um bom exemplo é quando Zack após se tornar ateu continua cumprindo sua promessa de ir todos os anos à Missa do Galo, e num momento de tédio, imagina a igreja toda cantando Sympathy For The Devil dos Rolling Stones.

Falando em Rolling Stones algo que me chama a atenção nos filmes canadenses de um modo geral é a trilha sonora, seja original, seja utilizando canções clássicas, um bom exemplo é em As Invasões Bárbaras, quem tem um mínimo de coração e segurou as lágrimas até o final, nos créditos é batata com Françoise Hardy cantando L’Amitie. C.R.A.Z.Y. não fica atrás, vai de Charles Aznavour a Willie Nelson até Pink Floyd e David Bowie.

Então, como pode um país que produz filmes tão bacanas, com certo apelo comercial, porém sem jamais renegar o conceito artístico que é a função do cinema em sua essência ser tão desprezado em terras tupiniquins? Ah, isso torna não só o Alt pequeno, mas toda essa edição da Gazeta, desde o fato de consumirmos cinema por aqui como quem come no McDonald’s e por encontrarmos qualquer fato agregado ao assunto cinema nas colunas de entretenimento e não nas de artes o que justifica muita produção medíocre nacional... e por aí vai, e como não é minha intenção analisar os fenômenos culturais brasileiros, deixando isso a quem tenha gabarito melhor, encerro com uma postura típica até já ironizada pelos malucos do South Park:

_ Culpem o Canadá por fazer esses filmes artísticos e dinâmicos o que os fazem não chegar até o mercado nacional!

O filme C.R.A.Z.Y – Loucos por Amor, será exibido neste sábado dia 24/05 às 19:30h

No SESC Cineclube Silenzio

A entrada é gratuita.

‘Traição’, Família e Propriedade

Laysmara Carneiro Edoardo

Socióloga

As famílias felizes parecem-se todas;

as famílias infelizes são infelizes

cada uma à sua maneira.

Leon Tolstoi

Em C.R.A.Z.Y. – Loucos de Amor, além das diversas questões individuais sobre a personagem de Zachary, a instituição familiar é debatida no entorno da relações entre as concepções tradicionais dos pais e o desapego presente neste contexto por parte do filho. Assim, creio que uma discussão sobre tal tema é capaz de situar determinados fatos que fundamentam algumas das situações presentes no filme...

A instituição da Família, ao lado da Igreja, do Estado e da Moral, seja pelas similitudes, seja pela historicidade, vem sendo pensada sob diversos focos e orientações, de modo que investigações interdisciplinares, de cunho sociológico, político, econômico, psicológico, antropológico e teológico, volta e meia acabam encontrando-se em pontos convergentes e também em conflitos diante das configurações a que esta está sujeita. Exemplo disso é são as extremas percepções sobre o mesmo tema, tendo de um lado as leituras direitistas que regem a compreensão da TFP (Tradição, Família e Propriedade) e por outro, as de Friedrich Engels (companheiro intelectual de Karl Marx) em A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado.

Aponto estas duas concepções, pois muito ainda se discute sobre o papel da família na construção moral do indivíduo e na leitura inveterada das contendas sociais como fruto de famílias desestruturadas e com baixo aporte ético. Ora, segundo estudiosos, a família, como organismo social, microcosmo de aglutinação, foi concebida para manter, organizadamente, os seus, seja sob laços sanguíneos ou não, sob a tutela da lei, segundo a orientação econômica para a manutenção da propriedade privada a um círculo restrito. Em outras palavras, simplesmente há a divisão cartorária entre tais grupos para que haja heranças legítimas em nome do árduo trabalho realizado pelas gerações anteriores.

Nestes termos, fica claro o envolvimento da questão da Tradição e da Propriedade Privada como fundamento básico para a manutenção daquela. O próprio Engels, na investigação histórica sobre o fato, considera de extrema importância tais questões no desenvolvimento destes grupos e da sociedade em geral. Para ele, com o desenvolvimento capitalista, a partir da organização dos grupos em nome do trabalho e da acumulação, a família acaba aglutinando-se nos termos colocados acima e configura-se soberanamente na posse de um determinado território, ou seja, de uma propriedade privada gerada e gerida sob normas e leis gerais. Por outro lado, em decorrência da divisão do trabalho, o pai se torna o responsável pelo trabalho / sobrevivência e a mãe pela guarda da casa e dos filhos, de forma que um poder celular, a partir da dependência a estas figuras, aparece como central em face ao homem, de modo que tendo por base a necessidade de fortalecer os vínculos internos entre o grupo - fazendo com que o mesmo possa resistir através dos tempos -, a tradição, geralmente baseada numa moral religiosa, desempenha papel fundamental ao sustentar tais sujeitos em nome do provimento.

Assim, ‘honrar pai e mãe’, faz-se como fundamento basilar para a respeitabilidade de quaisquer ordens imbricadas no seio familiar, pois já que a civilização não se configura mais como um grupo geral, uma comunidade capaz de proteger a todos, o único grupo que possui essa responsabilidade acaba sendo a família, que precisa proteger os seus e ser protegida diante dos demais. Por este motivo há ainda muitos exemplos de ‘linhagens’ que casam os seus entre si, com o intuito de fortalecer ainda mais sobrenomes e patrimônios. Por outro lado também, e pelo mesmo motivo, já que as famílias são as únicas responsáveis pela subsistência dos membros, têm-se as famigeradas ‘famílias desestruturadas’, com indivíduos sozinhos, ou mulheres (numa sociedade ainda patriarcal) gerindo seus filhos sob o olhar do Estado, que tem por função “proteger o homem de posse dos homens que não tem posse de nada”.

Fica bem claro que a Família, a Tradição, a Propriedade Privada e o Estado formam pares complementares que garantem a sobrevivência sob regras comuns. Contudo, e este talvez seja o mote principal para a leitura do filme, é preciso pensar onde fica o indivíduo nesta leitura macro. Um que não deseja preservar a tradição regrada, imposta pelas figuras centrais do grupo; que independente dos motivos, não deseja gerir heranças; muito menos dar seguimento a estirpe da qual faz parte...

13.5.08

17/05 - Dead Man (Jim Jarmusch)

Neste sábado dia 17/05 às 19:30h
No SESC Cineclube Silenzio
Entrada Gratuita






Dead Man
(Dead Man, 1995)

Gênero: Western.
Duração: 121 min
Origem: EUA
Estúdio: Pandora Filmproduktion GmbH
Direção: Jim Jarmusch
Roteiro: Jim Jarmusch
Produção: Karen Koch, Demetra J. MacBride
Sinopse:
William Blake (Depp), um simples e honesto contador da cidade de Cleveland, se muda para uma pequena cidade do oeste americano, tendo recebido uma carta garantindo-lhe um emprego em uma metalúrgica. Tem o emprego tirado de si, e acaba perdido naquela cidade que não conhecia, envolve-se com a mulher errada e é acusado do assassinato dela, e de seu ex-noivo, único que realmente William matou, e que antes de morrer, o feriu gravemente. Tendo a cabeça a prêmio, é amparado por um índio chamado Ninguém, a qual lhe guia espiritualmente para uma jornada em que ele inevitavelmente estaria destinado a cumprir.

Elenco:
Johnny Depp (William 'Bill' Blake), John Hurt (John Scholfield), John North (Mr. Olafsen), Robert Mitchum (John Dickinson), Mili Avital (Thel Russell), Gabriel Byrne (Charles Ludlow 'Charlie' Dickinson), Lance Henriksen (Cole Wilson), Michael Wincott (Conway Twill), Eugene Byrd (Johnny 'The Kid' Pickett)


A Balada do Homem Morto

Vander Colombo

Se John Cassevetes é uma espécie de pai para o cinema independente americano, Jim Jarmusch é no mínimo seu maior sucessor. Ao passo que o cinema dos EUA vive de utopias (para não dizer mentiras) que ajudam no deslocamento da atenção do péssimo governo e das burradas sem fim dos republicanos, mesmo com alguns diretores do mainstream começando a se revoltar com a situação, porém ainda sem o aval da maioria do público, como foi o caso do recente Redacted de Brian De Palma, o cinema independente vive de questionar não só o país como o modo de vida e de pensar.

Tanto Cassevetes como Jarmusch decidiram explorar um lado mais complexo da narrativa, chegando mais perto do que Pasolini chamara de Cinema de Poesia. Jarmusch por sua vez, pela proximidade com os guetos, faz uma espécie de poesia do povo, algo que fica entre o erudito e a linguagem das ruas.

Um dos temas preferidos de Jarmusch é o choque de culturas em sua miscigenação, como é o caso de Ghost Dog onde mistura a filosofia samurai com a linguagem do hiphop, e como é o caso deste filme a ser exibido no sábado Dead Man.

Dead Man é pra ser uma espécie de faroeste subversivo, e há de se lembrar que o faroeste é o único gênero tipicamente norte-americano, faz parte de sua história e de seu folclore sendo até exportado para os mares daqui.

Nos primeiros faroestes, carregados de maniqueísmo, os índios assumiram as formas dos vilões, figuras quase diabólicas que não hesitavam em escalpelar os “pobres e inocentes civilizados”. Essa injustiça histórica pesou sobre a consciência dos cineastas por anos a fio, tanto que o faroeste deixou de ser um gênero popular por décadas, e quem mudou essa história, por incrível que pareça foi Kevin Costner com o seu Dança com Lobos.

Dead Man fala da história de William Blake (Johnny Deep) um contador que recebe uma proposta de trabalho bem longe de sua casa, ao chegar não só percebe que a proposta não é mais válida como depois de uma seqüência de acontecimentos acaba tendo sua cabeça posta a prêmio e perseguido por sanguinários assassinos.

Em tempo: apenas um personagem faz a ligação entre o poeta e pintor William Blake com o personagem de Johnny Deep, e é justamente um índio, o que convenhamos, está bem distante do “mim gostar de poesia” do faroeste estadunidense clássico.

Dead Man de Jim Jarmusch sera exibido neste sábado dia 17/05 às 19:30h

No SESC Cineclube Silenzio em Cascavel.

A entrada é gratuita

Dead Man

Reflexos sobre a questão indígena

Laysmara Carneiro Edoardo

(Socióloga)

Pela contemplação, resistem. Um índio resiste quando é capaz de contemplar. Contemplar a si mesmo como um ser em harmonia; quando contempla o outro como parte de uma natureza que ele deve respeitar e amar como extensão do próprio corpo.

Daniel Monteiro

(Índio Mundurukú e antropólogo)

Ao acompanhar as últimas notícias da comoção social sobre a questão indígena, um incômodo ético e sociológico figurou-se numa imposição de tornar pública a discussão sobre tais fatos. Ora, o filme Dead Man de Jim Jarmuchi trata justamente do embate cultural entre um índio norte-americano e um ‘branco’, relacionando conhecimentos divergentes em torno das concepções de mundo de ambos e da aproximação simbólica sobre a figura de William Blake.

Este relacionamento histórico no cinema talvez seja tão presente – como já falado em algumas outras oportunidades – justamente pela dificuldade que o branco tenha ao aproximar sua cultura civilizada do aporte ‘natural’ e ‘primitivo’ dos indígenas. Assim, é possível perceber tanto relações de aproximação pacífica tal qual Dead Man e outros contemporâneos, em que o aprendizado de ricas tradições é o foco da presença destes personagens em comparação ao branco, quanto os ainda autárquicos faroestes – também americanos – em que os indígenas são meros objetos, inimigos que devem ser dizimados em nome de sua selvageria e animalidade.

Enquanto isso, no Brasil, a questão indígena é da responsabilidade de antropólogos, que devem realizar levantamentos culturais e geográficos para os bancos de dados nacionais e para os possíveis documentários (no que diz respeito ao cinema) para que sejam assistidos pelos próprios antropólogos e algumas outras minorias de número irrelevante. Sobre as ficções, no máximo um Tainá, de tratamento ora saudosista ora político – no que tange a preservação amazônica – acaba exibido na Sessão da Tarde. De todo modo, ao pensar em ficções, levantamentos e outras falas – e nisto incluo a minha – há sempre uma preocupação em dar voz aos ‘incapazes’, de forma que o imperativo em todos os casos é o mesmo: “Brancos! Façam algo pelos primitivos!”.

Logicamente, é preciso levar em conta algumas das políticas públicas e outras iniciativas realmente preocupadas com o tratamento humanizado às ‘minorias’, entretanto, de modo geral – e isto não é uma generalização arbitrária – tem-se nos discursos ‘civilizados’, a necessidade de contar a degradação total (inverídica) da cultura indígena e a incapacidade da mesma ao estabelecer-se enquanto parte do todo social. Desta forma, falas recentes do massmedia centram-se, sobretudo no mando branco de ações politizadas – logo civilizadas e necessariamente impossíveis de ser pensadas (no sentido lato da palavra) pelos povos indígenas – de modo que ações tais quais as dos índios Macuxi em Roraima, que segundo grandes grupos jornalísticos brasileiros, atendem desejos da especulação de terra / imobiliária, possuem como plano de fundo a racionalidade branca e o interesse econômico. Ou seja, trata-se, nesta lógica, apenas da famosa ‘massa de manobra’ para interesses daqueles que tem condições de pensar ações desse tipo.

Admito ainda, ao reflexionar tais questões, uma possível ingenuidade e também uma esteriotipação cordialista da minha parte, tal qual a realizada pelo civilizado que pensa que as minorias não pensam. Contudo, creio que seja importante deixar claro que estas duas relações – a romântica e a cientificista – possuem em sua raiz, a radicalidade do desconhecimento dos modos diferentes de pensar o mundo.

Resumindo, ou pensamos o Brasil como uma totalidade de pensantes e conviventes – e sim, temos indígenas em Cascavel – ou preparemo-nos para faroestes tupiniquins.

Pedis-me para arar o chão. Devo tomar uma faca e abrir o seio de minha mãe? Quando eu morrer ela não me tomará para descansar em seu colo. Pedis-me que cave em busca de pedras. Devo cavar sob sua pele em busca de seus ossos? Quando morrer não poderei entrar em seu corpo a fim de renascer. Pedis-me para cortar grama e fazer feno e vendê-lo e ser rico como os homens brancos. Mas como ousarei privar minha mãe de seus cabelos?

Smohalla

(Chefe indígena da etnia

norte-americana Wanapun)

8.5.08

10/05 - A Estrada Perdida (David Lynch)

Neste Sábado dia 10/05 às 19:30h
No SESC Cineclube Silenzio
Entrada Gratuita

Fred Madison (Bill Pullman) é acusado, sob misteriosas circunstâncias, de matar sua esposa Renee (Patricia Arquette). Ele logo se vê transformado em um outro homem, Pete Dayton (Balthazar Getty), possuindo uma vida completamente diferente. Quando Pete é solto no seu corpo e na sua mente, as coisas ficam cada vez mais misteriosas e intrigantes.

A Estrada Perdida

(Lost Highway, 1997)

» Direção: David Lynch

» Gênero: Drama/Suspense/Terror

» Origem: Estados Unidos/França

» Duração: 135 minutos

» Tipo: Longa

- Ator/Atriz
Personagem
- Bill Pullman Fred Madison - Robert Loggia Homem Misterioso - Patricia Arquette Renee Madison - Balthazar Getty Pete Dayton - Michael Massee Andy - F. William Parker Luneau

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Uma Jam Session de David Lynch
Vander Colombo
vandercolombo@gmail.com



Começa com as baquetas batendo de leve no chimbau, uma introdução a um mundo que a primeira vista parece normal, embora misterioso, as faixas amarelas no asfalto causam uma estranha sensação de hipnose apesar de parecem mostrar que as trajetórias como aprendido, servem para nos levar de um ponto A para um B.
Mas quem ainda não conhece David Lynch? Quem ainda não sabe que na maioria dos seus filmes a única saída para o pobre espectador é deixar-se levar à deriva e com sorte recolhendo algumas pistas que não só lhe digam para onde está indo, mas mais importante que isto, de onde veio.
É aí que você identifica a música e percebe que ela não terá nada de comum, e pior, ela não será nada agradável, pois o objetivo não será fazê-lo se sentir confortável nem muito menos inteligente. Parte do desconforto pode surgir da própria constatação de que Lynch é americano e até já concorreu ao Oscar. Visto que o mote de Hollywood é justamente produzir tramas mediocremente simples e previsíveis para que seus espectadores saiam do cinema sentindo-se perspicazes ao desvendá-las, assistir um Lynch como é o caso de A Estrada Perdida onde ninguém é o que parece e nem muito menos fará o que se espera deles, pode ser um tanto chocante. E se a música já era complexa, ela vez e outra irá se metamorfosear em ritmo, estrutura e até no tema. E isso se creia ou não, é o que mantém o interesse total na narrativa. Quem já viu Cidade dos Sonhos (de onde saiu o nome de nosso cineclube) sabe o que estou falando. O espectador é ativo, ele é o “detetive” da história, e cabe a ele, após o filme juntar as peças em sua cabeça e descobrir o mistério. Não, o filme não vai resolvê-lo para você.
É a hora do solo de saxofone, e este está no próprio filme, Fred Madison (Bill Pullman) é um saxofonista que começa a desconfiar que sua mulher o está traindo. Ele começa a receber fitas de vídeo anônimas que dão a atender que alguém entrou na casa enquanto dormiam. Uma dessas fitas assustadoramente revela Fred matando sua esposa, coisa que não havia acontecido. Ainda.
É aí que a canção muda radicalmente. Talvez por culpa ou desespero por ter sido acusado do assassinato da esposa Fred, torna-se outro homem, literalmente. E a trama que até poderia parecer não ter direção vai parecendo mais espiral, senão circular do que se crê que seja.
O mundo de David Lynch nunca dá respostas concretas, ele é composto de imagens e sons que introduzem na trama o espectador, agora não mais um elemento passivo do filme, mas um personagem, talvez o mais importante de todos. Lynch faz questão de fazer o desenho de som de cada um de seus filmes, e isso pode até parecer pouco, mas é o que transforma seus filmes em experiências oníricas, leiam-se pesadelos. Esse uso do som é primordial apesar de muitos filmes não prestarem à devida atenção a isso. Cinema é áudio-visual, e como diz o próprio Lynch: “Som e imagem trabalhando juntos é o que os filmes são. (...) Um quarto mede, digamos, nove por doze (pés), mas quando você está introduzindo som nele, você pode criar um espaço que é gigante, ouvindo coisas fora do quarto ou sentindo algumas coisas através de uma fresta, e então há sons abstratos que são como música, eles dão emoções e estabelecem diferentes estados de espírito. Então a música vem. Transições de efeitos sonoros para música, ou todas as coisas vindo ao mesmo tempo, é deixar o filme falar com você”.
E assim que Lynch faz sua “música”, ora com violinos cadenciados, ora com solos de bateria dissonantes. Mas sempre soando dentro da cabeça do espectador, como se fosse ele que a produzisse.
É nisso que os filmes de David Lynch se assemelham bem mais ao jazz do que à música pop americana feita pela maioria de seus compatriotas no cinema. Enquanto a maioria dos diretores estadunidenses estão mais preocupados se seu easy-listen vai ou não vender, Lynch está sempre em busca da experimentação definitiva para que o cinema não se torne um hit passageiro, mas uma experiência sem data. Por conta disso a improvisação e a inovação são aliadas até nos filmes mais lineares do diretor como O Homem Elefante e A História Real, para realizar espécies de jam sessions que proclamam, como chama Rose Satiko Gitirana Hikiji, “a promiscuidade entre cotidiano e extraordinário.”. Aonde o estranhamento virá sempre do universo real, insistentemente querendo se chocar com a mais onírica das fantasias.

O filme “A Estrada Perdida” será exibido neste sábado 10/05 às 19:30h No SESC Cineclube Silenzio. A Entrada é Gratuita.



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O Mal-Estar na Civilização: Viver - Estar no Mundo
Laysmara Carneiro Edoardo (Socióloga)
laysedoardo@gmail.com

Todo homem tem de descobrir por si mesmo de que modo específico ele pode ser salvo.
Sigmund Freud

Sigmund Freud, em O Mal-Estar na Civilização, apresenta três “construções auxiliares”, ou seja, medidas paliativas para suportar o ‘viver no mundo’: “os derivativos poderosos, que nos fazem extrair luz de nossa desgraça; satisfações substitutivas, que as diminuem; e substâncias tóxicas, que nos tornam insensíveis a elas.” No que Freud chama de “satisfações substitutivas” inclui-se a arte, que tem como função, neste sentido, apresentar-se como ilusões “em contraste com a realidade”. Contudo, quando consideramos os filmes de David Lynch, entre eles A Estrada Perdida, é impossível pensar em contrastes com a vida real, no sentido lato da expressão, de modo que as inconstâncias e fraquezas do indivíduo ‘no mundo’ são ampliadas nas obras, causando, no mínimo, um desconforto no espectador.
Para Freud, “a suave narcose a que a arte nos induz não faz mais do que ocasionar um afastamento passageiro das pressões das necessidades vitais, não sendo suficientemente forte para nos levar a esquecer a aflição real”, tendo em vista que, segundo a antropóloga Rose Hikiji, que estuda as manifestações de violência nos filmes, Lynch realize um duplo diálogo com o surrealismo em sua obra, onde “trabalha com uma narrativa onírica” e toca no mesmo tema usualmente captado por aquele: “a promiscuidade entre cotidiano e extraordinário”. Assim, a apresentação de indivíduos problemáticos estando / vivendo em mundos absolutamente desconstruídos, faz com que, independentemente da identificação mimética junto ao espectador, realize-se o abandono das estruturas de segurança do mesmo, em nome da entrega e da participação nestes universos ficcionais, quando é possível, ao contrário do que diz Freud, trazer à realidade parte do desajustamento apreendido na obra. Ora, o choque também é um tipo de ‘entretenimento’, tendo em vista que a arte que situa e minimiza os conflitos, é também a que conduz à reflexão e ao supostamente impenetrável.
O que é preciso ter em mente para realizar uma leitura aprofundada daquilo que é discutido por Lynch, é a idéia, debatida por Freud na obra em questão, sobre a existência humana limitada à vivência em sociedade e as conseqüentes complicações decorrentes disso. Para ele, “o que chamamos de nossa civilização é em grande parte a responsável por nossa desgraça” de forma que o sofrimento a que estamos sujeitos é fruto, necessariamente, do viver em sociedade, ao passo que “todas as coisas que buscamos a fim de nos protegermos contra as ameaças oriundas das fontes de sofrimento fazem parte dessa mesma civilização”. Nesta perspectiva, a vida individual em sociedade acaba sendo substituída pela conveniência dos valores comuns, suprimindo o ‘instinto’ e a vontade individual em nome do funcionamento da coletividade. Ou seja, “o homem civilizado trocou uma parcela de suas possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança”, haja vista que “descobriu-se que uma pessoa se torna neurótica porque não pode tolerar a frustração que a sociedade lhe impõe a serviço de seus ideais culturais, inferindo-se disso que a abolição ou redução dessas exigências resultaria num retorno a possibilidades de felicidade”.
Neste sentido, a ponte entre Freud e Lynch se dá sobre o fato de o próprio diretor definir A Estrada Perdida justamente como um “um filme de horror noir do século XXI.
Uma investigação gráfica sobre a crise de identidade paralela. Um mundo onde o tempo está perigosamente fora de controle”, considerando-se assim, que a investigação estética sobre o universo desconstruído da civilização contém, de fato, as neuroses individuais transmutadas em personagens que atuam em um ambiente extraordináxtraordin[ario, e que permitem que haja entre personagem / sujeito real; mundo ficcional / civilização, um vínculo constituído sob o "sentimento 'oceânico'" de estar no mundo, como colocou Freud.
Por fim, creio que tal aproximação permita, mais do que tudo, compreender representações diluídas na obra de David Lynch, que como dito, bebe no surrealismo e manipula a vida humana como um conflito constante entre a existência individual e a presença no mundo, de modo que “assim também as duas premências, a que se volta para a felicidade pessoal e a que se dirige para a união com os outros seres humanos, devem lutar entre si em todo indivíduo, e assim também os dois processos de desenvolvimento, o individual e o cultural, têm de colocar-se numa oposição hostil uma para com o outro e disputar-se mutuamente a posse do terreno”. É preciso também ter consciência que tal conflito é certo no que diz respeito à vida social. E que ‘viver no mundo’, neste sentido, diferencia-se e muito do ‘estar no mundo’ e da relação com nosso ‘mal-estar’.