10.6.08

14/06 - Amém (Costa-Gavras)

Neste Sábado dia 14/06 às 19:30h
no SESC Cineclube Silenzio
ENTRADA GRATUITA

TÍTULO: AMÉM.
DIRETOR: Costa-Gavras
ARTISTAS: Michel Duchaussoy | Antje Schmidt | Frederick Von Thun | Ulrich Muhe | Hanns Zischler | Ulrich Tukur | Marcel Iures | Mathieu Kassovitz | Ion Caramitru
IDIOMA: Inglês
PAÍS DE PRODUÇÃO: FRANÇA
LEGENDA: Português
FORMATO DE TELA: Widescreen
TEMPO DE DURAÇÃO: 132 MINUTOS

SINOPSE
Durante a 2ª Guerra Mundial, um oficial da SS, desenvolve um produto para tornar mais eficiente a limpeza de tanques. Seu produto, porém, é utilizado para matar os judeus nos campos de concentração. Horrorizado, ele procura o jovem padre Ricardo Fontana que, sendo de família influente, poderia solicitar a interferência do Papa Pio XII para impedir o genocídio dos judeus. Nessa trama se desenrola toda a saga desses dois jovens, um movido pela culpa outro pela consciência e toda a intensa luta para salvar milhões de judeus. Ao mesmo tempo a situação cria a polêmica que persegue a igreja católica até hoje: Qual seu papel na 2ª Guerra ou como é possível ser cristão e nazista? Amém é considerado por muitos como um filme mais polêmico do que a "Paixão de Cristo" de Mel Gibson. O simples cartaz do filme na França provocou protestos e processos na justiça por católicos fervorosos e apesar disso e de ser um filme falado em inglês, ganhou na França o Cesar (Oscar Francês) de melhor roteiro . Dirigido pelo vencedor do Oscar, Costa-Gavras (Missing-Desaparecido, Um Grande Mistério), Amém é um filme intenso, provocante, histórico e que discute corajosamente a relação polêmica entre o Vaticano e o III Reich.

Em nome do que?

Vander Colombo

O grego Costa-Gavras jamais tentou seguir outro caminho que não o do cinema político, porém com um diferencial: a política é tratada como fenômeno e não como partidarismo, ou seja, vista sob o viés dos efeitos que as idéias políticas provocam. Em 69 o mundo se rendia a um filme chamado Z, que chegou a concorrer como melhor filme e melhor filme estrangeiro no Oscar, ganhando o segundo. Este que tratava sobre a ditadura recente da Grécia sem meias-palavras, passando por cima de qualquer anistia que posteriormente fosse defender seus carrascos com uma simples frase que começava o filme: “Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais, não é uma coincidência, é intencional”.

Notava-se já aí a tremenda capacidade de direção agressiva que o diretor tinha.

Passou a vida criticando duramente as injustiças de ditaduras e totalitarismos (inclusive no Brasil, em Estado de Sítio), até em 2002 fazer um filme que finalmente abordava o silêncio da Igreja Católica perante o extermínio de judeus pelo nazismo na II Guerra Mundial. O filme intitulado Amém. com um ponto final, já resumia a intenção de uma certa benção silenciosa ao que acontecia em Auschwitz e tantos outros campos de concentração. Mas antes mesmo do filme, a maior polêmica partiu do cartaz, feito por Oliviero Toscani, o responsável pela campanha da Bennetton, onde se via uma cruz fundida à suástica que dava entender uma união entre Igreja e nazismo pelo extermínio dos judeus. O filme como se esperava foi duramente criticado pelo Vaticano antes mesmo de estrear, e quando estreou, quem “desceu a lenha” foram os críticos.

Esperava-se um grito irado, esbravejado, esperava-se que Costa-Gavras babasse ódio em cima do fato, mas o que ele fez foi contar uma história de caráter humano nos velhos moldes cinematográficos. E não errou. A intenção da história, ao contrário das anteriores, não era dedicada aos militantes políticos, ou mesmo àqueles que se envolviam com o fato diretamente, mas aos próprios católicos que deveriam se envergonhar da barganha de poder que ocorreu na época. O fato é que a Igreja Católica teve a maior chance de ser perdoada pelos pecados da Idade Média, posicionando-se contra o Holocausto numa época que a mídia não era organizada cujo ato colocaria toda uma nação religiosa contra os abusos da Alemanha, mas por medo e acordos políticos, não abraçou essa chance única.

Ora, como se o fato de Costa-Gavras não ter esbravejado e ter escolhido uma narrativa clássica sem recorrer a técnicas pós-modernas não fossem indícios de sua maturidade cinematográfica. Pois assim como em algumas outras áreas, no cinema, fazer o simples bem feito é bem mais complicado do que fazer um filme repleto de movimentos desconexos de câmera aliado a um roteiro pra lá de rebuscado, porém insosso, em busca de uma auto-aceitação no hall dos diretores moderninhos. Nas palavras de Schopenhauer: “é fácil identificar um medíocre afetado: eles geralmente tentam enganar escondendo conceitos triviais atrás de simbolismo baratos, sofismas e profusões de palavras”.

Há muitos diretores que já quebraram a cara feio, ao tentar, sem sucesso, fazer um filme simples aos velhos moldes, caindo quase sempre em pântanos de clichês ou senão simplesmente no vasto mar daqueles que não tem nada a dizer. É como um matador, para utilizar-se de um exemplo piegas, pois atirar com uma arma de fogo qualquer um é capaz, agora usar uma pequena faca sem ser visto não é bem assim.

Em Amém. Costa-Gavras usa a faquinha, não é um completo espadachim com ela, mas com certeza dá conta do recado. Antropomorfizando os conflitos em figuras centrais, ele começa a história com o oficial nazista especializado em higienização, Kurt Gerstein, que acabara de criar um produto capaz de deixar a água potável em pouco tempo. Ele investiga o porquê sua sobrinha portadora de doença mental havia sido morta na câmara de gás. Durante a investigação descobre que os judeus mandados para deportação estão sendo exterminados, fato que ele desconhecia. Kurt volta para Berlim disposto a entregar o esquema e fazer o povo se rebelar contra o governo de Hitler. Todavia, ninguém lhe ouve e o único apoio vem da Igreja Protestante que freqüenta, a qual admite que somente o Vaticano teria algum poder para fazer recuar a situação. A única pessoa dentro da Igreja Católica disposto a ajudá-lo é o padre jesuíta Riccardo Fontana, que tem a ingrata missão de convencer seus líderes e finalmente ao Papa Pio XII a tomar alguma atitude.

Assim Costa-Gavras continua tratando o fenômeno como tal, sem deixar de citar que o Vaticano, sim, salvou alguns judeus na época, principalmente os que se convertiam (literalmente salvando suas almas), e também dos temores da Igreja em que os católicos começassem a sofrer também, no caso de um posicionamento. Revelando ainda ter um faro muito afiado para o tema quando dirige - mesmo sendo um péssimo presidente de júri de festivais internacionais, revelando uma incompreensão total do tema ao eleger o vencedor do Urso de Ouro deste ano em Berlim.

Mesmo assim ele ainda merece votos de confiança.

O filme Amém. será exibido neste sábado dia 14/06 às 19:30h

No SESC Cineclube Silenzio

A entrada é gratuita.

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Religiosidade Institucional e Laicização

Laysmara Carneiro Edoardo

Socióloga

laysedoardo@gmail.com

Um Estado político, onde alguns indivíduos têm milhões de rendimento enquanto outros morrem de fome, poderá subsistir quando a religião deixar de lá estar com as suas esperanças noutro mundo, para explicar o sacrifício?

François Chateaubriand

Penso que falar de tal tema citando expressões tais como “A religião é o ópio do povo” anunciada por Marx ou “neurose coletiva” por Freud, mesmo que cada qual enunciadas com pertinentes justificativas, trata-se de um lugar comum na discussão do fato, e também desconsideração de fatores relevantes que ultrapassam a existência ou não de algum tipo de religiosidade na vida das pessoas. Assim, considerar a religião, tendo como referente Amém. de Costa-Gavras, implica no tratamento da instituição religiosa e de todos os ordenativos constituintes deste corpo social. Tal instituição, bem como a escolar, a moral, entre outras, funciona com uma racionalidade digna de qualquer grande retórico, haja vista o fato de haver imposições naturalizadas que são tomadas como verdade pelos indivíduos que são sujeitados pelas mesmas.

Tendo em vista a presença constante de perguntas sobre o sentido da vida, início e fim do mundo e pela iminência permanente da morte, friso novamente que afora a questão de haver ou não a necessidade de crenças religiosas para que haja, por sua vez, um equilíbrio na vivência dos homens, há um aproveitamento da fidelidade dos seus realizada por parte de alguns grupos religiosos, de modo que o submetimento daqueles às regras e normas, fazem-se algumas vezes bastante rigorosas e utilitárias para as instituições. E isso me parece ser o foco do problema.

Como já falado em outras ocasiões, as tradições são vivenciadas e mantidas por meio de coações implícitas e explícitas que vão desde a normatividade expressa por regras, que se quebradas, excluem membros, até determinações que causam o chamado “mal-estar da civilização” discutido por Freud. Consequentemente, esta coerção externa, por parte do grupo, ou interna, por parte do próprio sujeitado, realiza a manutenção de elementos presentes na tradicionalidade institucional. No caso da religião, independente de sua orientação, embora o caso discutido por Costa-Gavras situe-se sobre o catolicismo, estas imposições estão pautadas numa punição bastante severa que vem diretamente de Deus, ou seja, a entrada ou não no Reino dos Céus e/ou a evolução espiritual que garante o êxito na superação do medo da morte, e que, ainda, segundo o que tenho falado, faz-se principio ativo de tais crenças.

A respeito a tais regras que têm como premissa o fornecimento de arsenal para que se alcance o objetivo posto acima, a grande questão entra em cena quando tal processo realiza-se de modo homogêneo para todos os membros sujeitados. Um exemplo disso são as imposições postas sobre o comportamento da família, uniformemente dispostos, para alguns recortes que não se encaixam em tal perfil. Aliás, como é possível que algumas entidades assistenciais que atendem crianças e adolescentes ou abandonados ou retirados da família por abusos e violência, forçam as mesmas a respeitar o mandamento bíblico “Honrar pai e mãe”? Se em todo caso, os mesmos são educados em tal orientação, com o objetivo de serem inseridos em uma outra família, realizando tal normativa, embora saibamos que muitas crianças chegam a atingir maioridade em tais abrigos, sem nunca serem adotadas, como se realiza tal processo para tais, com este distanciamento absoluto entre realidade e norma?

Tal problemática se apresenta em muitas outras situações, principalmente no que diz respeito à confusão que ainda existe no Brasil (embora este seja constitucionalmente um Estado laico) sobre questões de políticas públicas que se transformam em afrontas morais, entre elas o aborto e o uso de preservativos, e relações “ilegítimas”, por exemplo, de modo que a tomada de decisões políticas são condicionadas pela normatividade institucional da moral religiosa. Até o momento ainda são visíveis os dados referentes aos resultados de tais questões, de forma que o imperativo religioso acaba fundamentando tais decisões em nome, muitas vezes, da aceitação popular do governo que as realiza.

Por isso, é preciso dizer novamente que as crenças são livres e devem ser exercidas pelos indivíduos de maneira que cada um desejar. Todavia, para concluir, as imposições das instituições religiosas devem manter-se em sua jurisdição, afronteiradas tanto pelos seus membros, quanto pelos personagens legislativos, que devem zelar, por sua vez, pela laicização do Estado, já existente há alguns séculos na história da humanidade.

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