8.5.08

10/05 - A Estrada Perdida (David Lynch)

Neste Sábado dia 10/05 às 19:30h
No SESC Cineclube Silenzio
Entrada Gratuita

Fred Madison (Bill Pullman) é acusado, sob misteriosas circunstâncias, de matar sua esposa Renee (Patricia Arquette). Ele logo se vê transformado em um outro homem, Pete Dayton (Balthazar Getty), possuindo uma vida completamente diferente. Quando Pete é solto no seu corpo e na sua mente, as coisas ficam cada vez mais misteriosas e intrigantes.

A Estrada Perdida

(Lost Highway, 1997)

» Direção: David Lynch

» Gênero: Drama/Suspense/Terror

» Origem: Estados Unidos/França

» Duração: 135 minutos

» Tipo: Longa

- Ator/Atriz
Personagem
- Bill Pullman Fred Madison - Robert Loggia Homem Misterioso - Patricia Arquette Renee Madison - Balthazar Getty Pete Dayton - Michael Massee Andy - F. William Parker Luneau

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Uma Jam Session de David Lynch
Vander Colombo
vandercolombo@gmail.com



Começa com as baquetas batendo de leve no chimbau, uma introdução a um mundo que a primeira vista parece normal, embora misterioso, as faixas amarelas no asfalto causam uma estranha sensação de hipnose apesar de parecem mostrar que as trajetórias como aprendido, servem para nos levar de um ponto A para um B.
Mas quem ainda não conhece David Lynch? Quem ainda não sabe que na maioria dos seus filmes a única saída para o pobre espectador é deixar-se levar à deriva e com sorte recolhendo algumas pistas que não só lhe digam para onde está indo, mas mais importante que isto, de onde veio.
É aí que você identifica a música e percebe que ela não terá nada de comum, e pior, ela não será nada agradável, pois o objetivo não será fazê-lo se sentir confortável nem muito menos inteligente. Parte do desconforto pode surgir da própria constatação de que Lynch é americano e até já concorreu ao Oscar. Visto que o mote de Hollywood é justamente produzir tramas mediocremente simples e previsíveis para que seus espectadores saiam do cinema sentindo-se perspicazes ao desvendá-las, assistir um Lynch como é o caso de A Estrada Perdida onde ninguém é o que parece e nem muito menos fará o que se espera deles, pode ser um tanto chocante. E se a música já era complexa, ela vez e outra irá se metamorfosear em ritmo, estrutura e até no tema. E isso se creia ou não, é o que mantém o interesse total na narrativa. Quem já viu Cidade dos Sonhos (de onde saiu o nome de nosso cineclube) sabe o que estou falando. O espectador é ativo, ele é o “detetive” da história, e cabe a ele, após o filme juntar as peças em sua cabeça e descobrir o mistério. Não, o filme não vai resolvê-lo para você.
É a hora do solo de saxofone, e este está no próprio filme, Fred Madison (Bill Pullman) é um saxofonista que começa a desconfiar que sua mulher o está traindo. Ele começa a receber fitas de vídeo anônimas que dão a atender que alguém entrou na casa enquanto dormiam. Uma dessas fitas assustadoramente revela Fred matando sua esposa, coisa que não havia acontecido. Ainda.
É aí que a canção muda radicalmente. Talvez por culpa ou desespero por ter sido acusado do assassinato da esposa Fred, torna-se outro homem, literalmente. E a trama que até poderia parecer não ter direção vai parecendo mais espiral, senão circular do que se crê que seja.
O mundo de David Lynch nunca dá respostas concretas, ele é composto de imagens e sons que introduzem na trama o espectador, agora não mais um elemento passivo do filme, mas um personagem, talvez o mais importante de todos. Lynch faz questão de fazer o desenho de som de cada um de seus filmes, e isso pode até parecer pouco, mas é o que transforma seus filmes em experiências oníricas, leiam-se pesadelos. Esse uso do som é primordial apesar de muitos filmes não prestarem à devida atenção a isso. Cinema é áudio-visual, e como diz o próprio Lynch: “Som e imagem trabalhando juntos é o que os filmes são. (...) Um quarto mede, digamos, nove por doze (pés), mas quando você está introduzindo som nele, você pode criar um espaço que é gigante, ouvindo coisas fora do quarto ou sentindo algumas coisas através de uma fresta, e então há sons abstratos que são como música, eles dão emoções e estabelecem diferentes estados de espírito. Então a música vem. Transições de efeitos sonoros para música, ou todas as coisas vindo ao mesmo tempo, é deixar o filme falar com você”.
E assim que Lynch faz sua “música”, ora com violinos cadenciados, ora com solos de bateria dissonantes. Mas sempre soando dentro da cabeça do espectador, como se fosse ele que a produzisse.
É nisso que os filmes de David Lynch se assemelham bem mais ao jazz do que à música pop americana feita pela maioria de seus compatriotas no cinema. Enquanto a maioria dos diretores estadunidenses estão mais preocupados se seu easy-listen vai ou não vender, Lynch está sempre em busca da experimentação definitiva para que o cinema não se torne um hit passageiro, mas uma experiência sem data. Por conta disso a improvisação e a inovação são aliadas até nos filmes mais lineares do diretor como O Homem Elefante e A História Real, para realizar espécies de jam sessions que proclamam, como chama Rose Satiko Gitirana Hikiji, “a promiscuidade entre cotidiano e extraordinário.”. Aonde o estranhamento virá sempre do universo real, insistentemente querendo se chocar com a mais onírica das fantasias.

O filme “A Estrada Perdida” será exibido neste sábado 10/05 às 19:30h No SESC Cineclube Silenzio. A Entrada é Gratuita.



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O Mal-Estar na Civilização: Viver - Estar no Mundo
Laysmara Carneiro Edoardo (Socióloga)
laysedoardo@gmail.com

Todo homem tem de descobrir por si mesmo de que modo específico ele pode ser salvo.
Sigmund Freud

Sigmund Freud, em O Mal-Estar na Civilização, apresenta três “construções auxiliares”, ou seja, medidas paliativas para suportar o ‘viver no mundo’: “os derivativos poderosos, que nos fazem extrair luz de nossa desgraça; satisfações substitutivas, que as diminuem; e substâncias tóxicas, que nos tornam insensíveis a elas.” No que Freud chama de “satisfações substitutivas” inclui-se a arte, que tem como função, neste sentido, apresentar-se como ilusões “em contraste com a realidade”. Contudo, quando consideramos os filmes de David Lynch, entre eles A Estrada Perdida, é impossível pensar em contrastes com a vida real, no sentido lato da expressão, de modo que as inconstâncias e fraquezas do indivíduo ‘no mundo’ são ampliadas nas obras, causando, no mínimo, um desconforto no espectador.
Para Freud, “a suave narcose a que a arte nos induz não faz mais do que ocasionar um afastamento passageiro das pressões das necessidades vitais, não sendo suficientemente forte para nos levar a esquecer a aflição real”, tendo em vista que, segundo a antropóloga Rose Hikiji, que estuda as manifestações de violência nos filmes, Lynch realize um duplo diálogo com o surrealismo em sua obra, onde “trabalha com uma narrativa onírica” e toca no mesmo tema usualmente captado por aquele: “a promiscuidade entre cotidiano e extraordinário”. Assim, a apresentação de indivíduos problemáticos estando / vivendo em mundos absolutamente desconstruídos, faz com que, independentemente da identificação mimética junto ao espectador, realize-se o abandono das estruturas de segurança do mesmo, em nome da entrega e da participação nestes universos ficcionais, quando é possível, ao contrário do que diz Freud, trazer à realidade parte do desajustamento apreendido na obra. Ora, o choque também é um tipo de ‘entretenimento’, tendo em vista que a arte que situa e minimiza os conflitos, é também a que conduz à reflexão e ao supostamente impenetrável.
O que é preciso ter em mente para realizar uma leitura aprofundada daquilo que é discutido por Lynch, é a idéia, debatida por Freud na obra em questão, sobre a existência humana limitada à vivência em sociedade e as conseqüentes complicações decorrentes disso. Para ele, “o que chamamos de nossa civilização é em grande parte a responsável por nossa desgraça” de forma que o sofrimento a que estamos sujeitos é fruto, necessariamente, do viver em sociedade, ao passo que “todas as coisas que buscamos a fim de nos protegermos contra as ameaças oriundas das fontes de sofrimento fazem parte dessa mesma civilização”. Nesta perspectiva, a vida individual em sociedade acaba sendo substituída pela conveniência dos valores comuns, suprimindo o ‘instinto’ e a vontade individual em nome do funcionamento da coletividade. Ou seja, “o homem civilizado trocou uma parcela de suas possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança”, haja vista que “descobriu-se que uma pessoa se torna neurótica porque não pode tolerar a frustração que a sociedade lhe impõe a serviço de seus ideais culturais, inferindo-se disso que a abolição ou redução dessas exigências resultaria num retorno a possibilidades de felicidade”.
Neste sentido, a ponte entre Freud e Lynch se dá sobre o fato de o próprio diretor definir A Estrada Perdida justamente como um “um filme de horror noir do século XXI.
Uma investigação gráfica sobre a crise de identidade paralela. Um mundo onde o tempo está perigosamente fora de controle”, considerando-se assim, que a investigação estética sobre o universo desconstruído da civilização contém, de fato, as neuroses individuais transmutadas em personagens que atuam em um ambiente extraordináxtraordin[ario, e que permitem que haja entre personagem / sujeito real; mundo ficcional / civilização, um vínculo constituído sob o "sentimento 'oceânico'" de estar no mundo, como colocou Freud.
Por fim, creio que tal aproximação permita, mais do que tudo, compreender representações diluídas na obra de David Lynch, que como dito, bebe no surrealismo e manipula a vida humana como um conflito constante entre a existência individual e a presença no mundo, de modo que “assim também as duas premências, a que se volta para a felicidade pessoal e a que se dirige para a união com os outros seres humanos, devem lutar entre si em todo indivíduo, e assim também os dois processos de desenvolvimento, o individual e o cultural, têm de colocar-se numa oposição hostil uma para com o outro e disputar-se mutuamente a posse do terreno”. É preciso também ter consciência que tal conflito é certo no que diz respeito à vida social. E que ‘viver no mundo’, neste sentido, diferencia-se e muito do ‘estar no mundo’ e da relação com nosso ‘mal-estar’.

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