26.8.07

Eraserhead (David Lynch) 1977

Neste sábado dia 01/09 no SESC Cineclube Silenzio.

às 19:30hrs. Entrada Gratuita



Do comportamento dos personagens aos ambientes em que vivem e se deslocam, da deformidade e incompletude que marcam o rosto (a moça no palco do teatro), parte do corpo (o homem, ao lado de uma janela, com o corpo aparentemente queimado) e o corpo por inteiro (o filho de Henry e Mary), da forma como a câmera posiciona-se sobre o mundo e o modo como este mundo turvo, deslocado e particular se mostra em imagens, Eraserhead (1977, de David Lynch) não é apenas o filme de estréia do seu realizador. A cada seqüência e plano, onde a realidade se torna menos objeto do pensamento e mais um dado da visão, o mundo da câmera de David Lynch parece, permanentemente, em experimentação. Se, portanto, tem diretores que posicionam a câmera sobre o mundo, buscando, com isso, captar o tempo e o espaço que, naturalmente, o definem, o modo lynchiano prefere, antes de tudo, construir o seu próprio mundo, com sua estrutura temporal e espacial particular. Assim, não é da poética lynchiana apenas reproduzir o movimento de uma dada realidade em imagem, mas criar outros movimentos, realidades e imagens e, por extensão, outro mundo.

É, por assim dizer, diante de outro mundo fundado na imaginação de um autor, de outra realidade explorada por uma máquina de ilusão e sonho e de outra imagem moldada por um dispositivo ficcional poderoso, com seus personagens e ambientes peculiares, que senti Eraserhead no decorrer da projeção. Um mundo diferente do nosso, é verdade, mas ainda assim parte do mundo em que vivemos, reconhecível, por sua vez, no mundo no qual trafegamos e constitutivo dos nossos pesadelos, medos e angustias. Por isso mesmo, distante, mas, simultaneamente, nosso por sua proximidade, recusado e, ao mesmo tempo, ligado a nós pelas semelhanças que encerram. Diante de um filme com imagens paradoxais, talvez pelos objetos que nos causam uma certa estranheza apesar de serem parte, umbilicalmente, do nosso corpo, a experiência é de natureza, eminentemente, sensorial. Sobretudo porque, ao buscar o seu próprio universo, as matizes banhadas em luz e sombra dos seus ambientes e objetos e uma atmosfera, excessivamente, nervosa, a câmera de David Lynch precisava ter certeza do mundo que suas lentes criavam para nos dar a certeza do que sentíamos.

Quando, no início do filme, Henry (Jack Nance) se desloca por uma ambientação, aparentemente, marcada pelo abandono, sentimos a frieza e a atmosfera desoladora de sua arquitetura, com seus cômodos tomados por camadas mais escuras do que claras no acender e apagar de luzes. Talvez porque as locações por onde passa sejam pesadas e de natureza prisional, principalmente por sua fantasmagoria. Por isso, o espaço do primeiro trabalho de David Lynch aparenta a inexistência de estruturas humanas, tanto as que possibilitam o convívio entre os indivíduos quanto as que permitem sua sobrevivência. No entanto, apesar de traçado como mundo de fábricas, suas locações nos remetem sempre a um mundo desabitado. Assim, afora Henry, aquele é um lugar que parece não ter ninguém, sendo que, somente aos poucos, é que ele começa a ser povoado, primeiramente, pela família de Mary (sua namorada, em seguida mulher e mãe do seu “filho”) e sua família exótica. Entretanto, mesmo quando aparecem outros personagens além do núcleo familiar, David Lynch trabalha sempre a impressão do espaço em decadência, desabitado e último.

Neste espaço que, automaticamente, marca o outro mundo (específico e em esboço) da câmera lynchiana, o resultado é o filme-experimento - não, especificamente, no sentido estético, mas do cinema como laboratório. Portanto, em Eraserhead, o diretor americano David Lynch transforma seu filme numa experiência laboratorial, onde são acompanhadas certas instâncias do humano (como que em gestação ou, decadentemente, marcadas pela posteridade). Assim, ao inventar um mundo com seus personagens e espaços próprios, o modo lynchiano se aproxima, talvez, das preocupações características do primeiro trabalho: criar e, em seguida, observar como as partículas se movimentam. Daí porque, o tempo todo, a câmera está em posição de observação, colocando-nos, a cada cena, num estado ótico diante do universo de Henry, do seu comportamento e personalidade bastante bizarra. De modo que, quando David Lynch escolhe o núcleo familiar e seus entes para desenvolver sua experiência, o que se torna caro as suas lentes é, antes de tudo, a forma como lhe damos com a diferença mesmo que esta, umbilicalmente, seja parte e resultado do nosso corpo.




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