18.11.07

Os Amantes do Círculo Polar (1998) Julio Medem

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A CERTEZA DE ESTAR COM ALGUÉM


Existem alguns filmes que conseguem nos passar uma sensação quase mística que transcende linguagem cinematográfica e narração, muito embora esta tal energia venha exatamente da forma como o diretor junta seus pedaços e nos conta sua história. Os Amantes do Círculo Polar (Los Amantes del Círculo Polar, Espanha, 1998), de Júlio Medem, é um desses casos atípicos, pois tem um sabor decididamente diferente, difícil de ser descrito, mas que chega no espectador e o atinge em cheio. Este filme é uma dessas adequações raras e perfeitas da forma junto ao próprio coração do filme (o conteúdo). Investiga, em termos bem pessoais, a maneira como nós encaramos o destino.

Inicialmente, Os Amantes do Círculo Polar pode ser descrito como uma história de amor entre Anna e Otto, que nos são apresentados como duas crianças de oito anos de idade que decidem, desde tão cedo, que foram feitos um para o outro. A certeza deles é tanta que ambos põem suas vidas numa espécie de piloto automático, pois sabem que nunca deixarão de estar juntos, mesmo depois que uma primeira ação do destino os torna praticamente irmão e irmã, já que o pai de Otto e a mãe de Anna apaixonam-se e decidem morar juntos.

Alguns anos depois, Anna e Otto já são adolescentes e Medem cria um clima fascinante de erotismo juvenil que irá consumar a relação física entre ambos, mesmo sendo, mais do que nunca, irmão e irmã, vizinhos de quarto na casa dos pais. Esta proximidade é tratada por Médem como extremamente problemática do ponto de vista de Otto, pois ele precisou deixar a mãe (sozinha, depois do fracasso do casamento) para poder ficar mais perto de Anna, na nova casa do seu pai.

O relacionamento entre os dois passa para um terceiro estágio, já como jovens adultos de vinte e poucos anos, momento em que a vida, e o destino, começará a realmente testar a resistência do caminho que ambos traçaram, aos oito anos de idade. É esse conflito entre destino e as obras externas do acaso que Medem trata com tanta força e poesia, através de um cinema altamente pessoal.

Para estabelecer a idéia de que tudo na vida funciona em ciclos que se completam, e que nossa existência não seria possível sem a repetição constante desses ciclos, Medem mostra-se um manipulador talentoso das espectativas de quem vê seu filme. Um dos elementos mais interessantes, por exemplo, é a constante ameaça de um acidente de automóvel, ou mesmo, na infância e adolescência de Otto e Anna, a ida para a escola, durante anos, no assento traseiro do carro dos pais. A realidade é a mesma, mudam apenas as roupas, a meteorologia, o estado de espírito.

Esta idéia de um círculo constante na vida ganha tratamento visual impecável e uma montagem inteligente de imagens que retratam a configuração circular de fatos. Há um belíssimo corte envolvendo uma freada, Anna e Otto, que sintetiza praticamente toda a idéia apresentada nesse filme, repetida mais tarde numa angustiante seqüencia que se passa num café, ao ar livre, provavelmente a mais poética e irônica escrita por Medem.

Medem, no entanto, guarda seu maior símbolo de destino e vida para a imagem mística do sol que nunca se põe, mas que avança horizontalmente, no norte da Finlândia, ou no Círculo Polar do título, destino final do seu filme, uma vez que Anna e Otto são guiados por uma série de coincidências que parecem comprovar que "não existem coincidências". Aliás, não parecem existir coincidências para quem sempre teve tanta certeza do caminho que o destino traçou.

Este é um filme especial, onde nota-se imediatamente o trabalho de um diretor que tem uma visão peculiar do mundo, traduzida com eloqüência no seu jeito de filmar. Medem fotografa em tons brancos e azuis, formato CinemaScope e paixão pelo seu estilo peculiar de cinema. Não tem o "calor" que se espera de um diretor espanhol, uma vez que o filme mostra-se até frio, vez por outra, especialmente na sua conclusão, que poderá dividir o público entre os que acham-no poético, e outros que poderão sentir-se perturbados com a sua crueza. Mesmo assim, não há indiferença perante tanta técnica e idéias fortes que muito nos comunicam sobre a natureza do ser humano perante a vida.

Os Amantes do Círculo Polar é mais uma prova de que o Cinema Espanhol passa por uma excelente fase. Almodóvar tem encantado muita gente com seu prêmio de direção em Cannes pelo belo Tudo Sobre Minha Mãe, atualmente em cartaz. No último Festival Internacional de Cinema do Rio, além do filme de Almodóvar, os outros grandes sucessos da mostra foram Tango e Goya, de Carlos Saura, e o delicioso A Menina dos Seus Olhos (1999), de Fernando Trueba (Sedução), com Penelope Cruz. Em agosto, no Festival Latino/Brasileiro de Gramado, Os Amantes do Círculo Polar não teve concorrência, dando uma goleada de mais de sete prêmios Kikito, claramente o melhor e mais forte filme da competição.


Filme Visto no Palácio dos Festivais, Gramado, Agosto de 99



Título Original: Los Amantes del Círculo Polar
Gênero: Romance/Drama
Origem/Ano: ESP/1998
Duração: 113 min
Direção: Julio Medem


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