11.6.07

A Entrevista (Takashi Miike)

O filme do próximo sábado dia 16/05 no SESC Cineclube Silenzio, é a obra-prima do cultuado diretor japonês Takashi Miike, A Entrevista, ou Audition. As sessões são no SESC Cascavel, todos os sábados às 19:30hrs. A entrada é grátis. Lembramos a todos também que no outro sábado, dia 23, o Cineclube não fará sessão em decorrência da Mostra 15 de eTeatro do SESC, participem.
Sinopse: Um solitário viúvo conta com a ajuda de um produtor, que arma uma audição para um filme inexistente, afim de que o amigo escolha sua futura mulher. O viúvo fica fascinado por Yamazaki, uma jovem misteriosa e enigmática.
Crítica por: Bernardo Krivochein (Rio) em Zeta Filmes
Minha mandíbula dói. Pelos últimos 15 minutos, eu fiquei de boca aberta. Eu odeio "Audition" por isso. O filme vai criando um clima carregado, mas toda a expectativa que você vem montando, se preparando, de nada serve. Eu entro na sala e o filme já tem o ponto negativo de ter sido elogiado por tudo que é imprensa especializada de cinema, tem essa aura carregada que me faz esperar que o filme seja no mínimo "..E O Vento Levou" do rodízio de Sushi, o que nunca acontece. Saio do cinema, concordando com tudo aquilo que li e pior:Eu estava realmente com medo.
Aoyama (Ryo Ishibashi, ex-vocalista de uma banda de punk rock) é um pai viúvo há muitos anos, dono de uma produtora, criando um filho adolescente que, belo dia, propõe que está mais do que na hora de ele encontrar uma mulher. Seu amigo, produtor de cinema, propõe um teste de elenco caô, para que ele selecione entre as pobres candidatas incautas, a ideal para um relacionamento. Dentre todas, a bailarina fracassada Asami é a que o atrai, principalmente pela familiaridade com a sensação de perda, compartilhada pelos dois. Lentamente, vão marcando encontros onde, desajeitadamente e afobadamente, envolvem-se. Audition inicia-se como uma comédia romântica, que lentamente ganha sobriedade e pinta um painel sobre a solidão em cidades grandes e dos relacionamentos na Tóquio moderna.
Desnecessário dizer que tudo vai para o vinagre.
Até porque se você estiver familiarizado com a obra do diretor Takeshi Miike (que dirigiu "Ichi The Killer", "Visitor Q" e "The Happiness of the Katakuris", que parece ser um "Oito Mulheres" que deu certo), sabe que o sujeito não é conhecido por ser contido - feito o tarado da estação Pampulha, ele mostra tudo. Mas o nervosismo, o virtuosismo de câmera, um roteiro vazando adrenalina, todo o conjunto normalmente associado a ele, ficou para outro filme. Miike mostra maturidade, paciência de Jó e muito sadismo com "Audition". São tantas vezes que ele te leva para um outro lugar além daquele que você espera, que me deixou exausto, sem fôlego. São várias rasteiras que ele te reserva, mas esqueça que um dia eu falei isso e seja surpreendido.
"Audition" constrói-se em cima de fatias de tensão, que são incorporadas ao filme discretíssimamente, tanto que antes do clímax explosivo, o clima está tão pesado que é insuportável. Se a Subway vendesse um sanduíche baseado nesse filme, seria chamado de Mega Combo do Cagaço e seria tão cheio de recheio que seria impossível comê-lo sem que litros de molho não derramassem na sua camisetinha branca apertada. "Audition" traz ao espectador a coisa mais próxima de um filme que Hitchcock hoje, caso estivesse ainda vivo e consciente da vertente atual. É sufocante.
É lento pacas, mas o personagem principal acaba entrando pela veia do espectador. Ele é desnudo para o espectador, psicologicamente, somos sempre recordados de que ele não é perfeito, mas aceitamos o sujeito mesmo assim. Embora as decisões tomadas por Aoyama sejam perfeitamente machistas e chauvinistas (ele só quer encontrar uma mulher para preencher o SEU vazio, tem que corresponder às SUAS expectativas e se ele tiver que tirar algumas moças de seu caminho e mentir para elas, colocando-as numa situação de quase mercado humano, isso nunca é refletido por ele), no final das contas, ele é um sujeito sozinho e todos se identificam com isso. Não resta dúvidas de que ele não é, nem de longe, uma pessoa ruim.
O impacto de "Audition" é fruto justamente disso: o público encontra-se no personagem e, logo, encontra-se jogado no meio de um sonho tornado pesadelo. "Atração Fatal" é pinto! Eu odeio esse filme pela inquietação que me fez passar e amo simplesmente pela pequena obra-prima de terror que o filme é. A imagem de uma menina japonesa dizendo que eu tenho que amar a ela e somente a ela para sempre me dá frios na espinha. O filme nos abandona, várias questões foram deixadas sem resposta e o filme nos persegue pela rua, saindo do cinema. Não consigo frisar o bastante a qualidade desse filme. Segura na mão de Deus e vai.
"Odishon" Japão, 1999. 115 mins. Direção: Takeshi Miike. Estrelando: Ryo Ishibahi, Eihi Shiina, Tetsu Sawaki, Jun Kunimura, Renji Ishibashi.

3 comentários:

Unknown disse...

Após a sessão, o Vander afirmou que o Miike não é lá muito de dar lições em seus filmes. No então, o conteúdo de a Entrevista chega a chocar por tanta profundidade.
Mas o que analisar? Um romance? Um terror? Uma obra surrealista? O fato do filme incorporar vários elementos e linguagens cinematográficas possibilitou vários enfoques dentro dos aspectos psicológicos, seja em abordagens individualizantes ou voltadas ao social. Gostaria de deixar aqui algo diferente de meu comentário realizado após a apresentação do filme. Na verdade a discussão foi iniciada pelo meu colega, Fabio Stanski, que no momento preferiu não compartilhar sua visão. Esta refere-se à uma reconstrução de paradigmas. É visível no filme o paradigma do preconceito sexista. Seja realidade, ou um delírio de Aoyama, as atitudes bizzaras de Asami invertem o papel de poder e subimissão entre homem e mulher. No entanto a quebra de paradigma se deve ao fato de Asami procurar a vingança, cega pelo seu preconceito, contra o "machismo" sobre uma vítima inocente, invertendo o quadro para a Mulher como caçadora e o homem preza. Ou seja, no Japão, "todos os homens estão a iludir as garotas, exceto Aoyama, e todas as garotas dóceis são submissas, exceto Asami".

Anônimo disse...

Então, aconteceu em Audition, exatamento o que se esperava, a certa altura do filme houve uma fila de pessoas saindo. Não é por menos, quem não conhece a obra de Miike, choca-se mesmo, e é isso que ele quer.
Com esse "novo cinema japonês" Takashi Miike, nesse filme em especial, dá um tapa na cara de todos aqueles que diziam que o cinema japonês havia morrido junto com Kurosawa.
Miike não só mostra o bom terror japonês numa sequência que deixou todas os espectadores que se aventuraram até o fim, remexendo-se na cadeira, como prova também que o Japão pode fazer qualquer tipo de filme.
Ele começa como um melodrama, passa por Tarkovsky, Bergman, Hitchcock, uma sequência onírica a lá Buñuel, offs no meio da multidão evocando a Nouvelle Vague, fotografia latina no momento do encontro com o padrasto de Asami, filmes de detetive americano e uma cena aos moldes do Dogma 95, e finalmente encerra com seu terror extemo no qual ele já é considerado o mestre.

Audition, além de tudo o que se fala, é uma aula de cinema, um banho de cultura cinematográfica e um paraíso para o cinéfilo num quebra-cabeças de linguagem.

Miike chega a parecer arrogante em tudo a que se propõe nesse filme, mas é com tal surpresa que ele consegue em pouco menos de duas horas destilar todo seu veneno, com uma paciência que só os grandes mestres sádicos podem ter (cito aqui Hitchcock, Bergman e Tarkovski).

Takashi Miike, não só é sádico ele é um analista dentro de seu sadismo, daqueles que recolhe cada lágrima, cada gota de sangue da vítima que já implora pelo golpe derradeiro, e após a análise irá encontrar uma maneira de fazê-la sofrer ainda mais com pequenos intervalos de prazer.

Não é fácil ser paciente assim, quando se atinge esse nível, nada mais digno que exibir seu novo título de mestre, e Miike é um dos poucos diretores recentes a ter esse direito.

Anônimo disse...

Bom, minha interpretação desta vez vai um pouco além dos conceitos que utilizei nas demais, colocando agora um pouco mais de compreensão e leitura própria sobre o que consegui visualizar na imensidão de significado presente em A Entrevista. Inclusive conversando com o Vander sobre nossas leituras, uma linha comum apareceu, em conformidade é claro com a área de atuação de cada um.

No meu caso, consegui visualizar também a mudança de ritmo dada por Takashi Miike durante o longa, que antropologicamente significaria uma espécie de transformação periódica da ocidentalização contemporânea japonesa à tradição ainda presente na mesma. Ou seja, considero que toda a construção que o diretor faz sobre a solidão dos protagonistas se dá neste caos contemporâneo, nesta ocidentalização simbolizada pelos planos curtos e movimentos rápidos de câmera (se não quando a mesma não está na mão). Assim, inclusive por comentários de algumas personagens, a solidão está presente inclusive dentro de grandes multidões e é o princípio ativo das ações que serão desempenhadas no decorrer do filme.

Quando do primeiro encontro das duas personagens (após a entrevista) as mesmas são colocadas em uma rua movimentadíssima, num plano aberto, presentes e juntas diante de uma multidão que se atropela, havendo aí a primeira mudança de ritmo e aproximação a um tipo de relacionamento "romântico" (ver discussão em Ondas do Destino), demonstrando que apesar da individualização inerente ao "caos ocidental" existe uma realidade diferente que é buscada e fortalecida pelo ajuntamento das duas solidões em um todo único.

As coisas correm muito bem até quando a personagem de Asami começa a sentir-se insegura e some (amor confluente também discutido em Ondas do Destino), fazendo com que a direção se volte novamente ao caos do ínico. Aoyama então começa uma busca, digna de Dom Quixote pela sua Dulcinéia, defrontando-se com figuras tradicionais da cultura japonesa em suas diversas significações, tais como o velho, a criança, chegando finalmente a subversão das mesmas quando da sua alucinação com a figura da ex-mulher, a namorada do filho, a colega de trabalho, o homem multilado e o horror causado pela violência excessiva, supostamente aplicada por Asami.

Por fim, na sequência de tortura final, pode-se ainda fazer uma relação possível ainda nesta linha de subversão da tradição, sendo que quando pensamos a respeito do relacionamento amoroso tradicional japonês (e porque não o ocidental também?) temos a monogamia presente e respeitada mas também o prazer físico concedido pelas concumbinas. Asami, que em diversos momentos pede para ser a única, acaba fazendo o papel da esposa tradicional, traída pelas demais atrizes selecionadas para a entrevista, que neste caso seriam as comcumbinas. Assim, ela, ferida em sua honra utiliza-se da violência, tal qual se coloca na tradição oriental, quando aquela é intrinsecamente vinculada à postura individual de um samurai, guerreiro ou mesmo um homem "comum" mas íntegro, podendo então vingar-se de seu amado de forma legítima.

Em resumo, penso que Miike, inclusive por verificar esta mesma postura em outros filmes dele, diverte-se em apresentar a tradição japonesa não mais como um axioma, mas como um signo passível de interpretação, sendo que os incensos que significariam a aproximação superior entre o homem mortal e as forças superiores, podem ser utilizados agora como instrumentos de tortura; a sabedoria do velho que subverte-se em perverção e a figura da mulher que de submissa transforma-se em guerreira honrosa com sua violência legitimada por esta mesma cultura.

"Hana yori dango."
(Provérbio Japonês que significa: Antes de flores, comida.)