11.3.08

15/03 - Jesus de Montreal (Denys Arcand)

Neste sábado dia 15/03 às 19:30h
No SESC Cineclube Silenzio
ENTRADA GRATUITA
“A Paixão segundo Arcand”

Vander Colombo

Não sou muito religioso, mas tem algo na figura de Jesus que me atrai, talvez seja a mensagem, que não tinha nada a ver com o que muita gente usa para defender valores e morais políticos como família e propriedade, sendo que talvez ainda uma releitura moderna dessa figura trouxesse luz ao assunto. Foi o que Arcand tratou de fazer. O diretor Denys Arcand virou uma figura pop de uma hora para outra fora do Canadá quando em ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro com “As Invasões Bárbaras”. Justiça seja feita, o filme é a perfeição do drama anti-pieguice e uma obra de coração imenso. Mas Arcand já era conhecido no underground por obras como Amor e Restos Humanos, Gina, O Declínio do Império Americano (que graças ao Invasões Bárbaras, ganhou relançamento) e na opinião de muitos, pela sua obra prima Jesus de Montreal.
Arcand também ficou famoso pelos temas controversos tratados com extrema maestria e naturalidade em seus filmes, seja apresentando a heroína como analgésico para o câncer em Invasões Bárbaras, seja mergulhando na vida sexual da intelectualidade ocidental em O Declínio...
Aliás, conta-se que foi durante a pré-produção de O Declínio do Império Americano que a idéia de Jesus de Montreal nasceu. Arcand fazia teste de elenco e descobriu que um dos atores assumia durante o dia o trabalho em comerciais televisivos e à noite ensaiava uma peça sobre a Paixão de Cristo. Essa contradição entre valores versus comercialismo gerou as primeiras idéias para o filme.
O enredo de Jesus de Montreal conta a história de Daniel Coulombe, diretor renomado do teatro marginal canadense que é convidado por um amigo sacerdote a re-montar a Paixão de Cristo, antiga peça da catedral há décadas parada. Daniel aceita, porém, ao invés de se basear nos evangelhos como verdade suprema, busca nas descobertas científicas arqueológicas o contexto para encenar sua obra. O resultado é um total sucesso de público e crítica, levantando, contudo, contra si, toda a ira da Igreja. Conforme lutam para continuar exibindo a obra, Daniel e o elenco formado por atores desempregados mesclam-se cada vez mais à história de Jesus.
O fato de apresentar Jesus como filho bastardo de um soldado romano com Maria, já seria motivo bastante para os religiosos fanáticos de plantão organizarem aqueles piquetes chatos nas portas dos cinemas. Porém Arcand deixou uma armadilha perceptível no filme que faria qualquer detrator religioso da saga de Daniel em peso igual aos daqueles que na Bíblia gritavam: “Crucifica-o!”. Ao recontar a história cristã, Arcand coloca a fúria da Igreja Católica montrealense como sinônimo da fúria dos judeus ao ouvir Jesus defender prostitutas e samaritanos em nome de Deus e isso tudo na qualidade de ser filho do cara. As declarações de Jesus segundo a Bíblia foram consideradas heresias na época, da mesma forma que as do filme hoje o são. Por essas e outras coisas o roteiro é amarrado tão perfeitamente que vai da concepção à ressurreição sem sair do caráter humano, dando tapas de pelica em várias gerações. Sendo assim, o filme ao invés de ser massacrado pelos cristãos, acabou sendo adorado e estudado por esses. Conseguindo o feito de “agradar a todos” onde até as máximas dizem que para outros era impossível. Ateus e religiosos se unem no discurso de Jesus de Montreal por um simples fato: não importa a crença ou não no etéreo, mas algumas daquelas palavras. Essas são inquestionáveis.
Muitos filmes erraram feio ao retratar Jesus na tela grande (por exemplo a bobagem sanguinária “A Paixão de Cristo” de Mel Gibson que mais parece ter voltado aos tempos dos espetáculos do Coliseu), outros foram superficiais e nada inovadores, como o de Zefirelli e a enxurrada desses que passam na TV em datas religiosas, porém apenas dois conseguiram ultrapassar a fé cega, inovando e se aprofundando justamente no complexo turbilhão shakespeareano de culpa, medo, dúvida e diversos outros conflitos. Um deles é “O Evangelho Segundo São Mateus” de Pasolini e o outro é o próprio filme de Denys Arcand, que apesar de se passar nos dias de hoje consegue algo que nem o evangelho como foi escrito conseguiu, ser elucidatório. Alguém pode até perguntar: “E o “A Última Tentação de Cristo” de Scorsese?” Mas convenhamos que assim como Je Vous Salue Marie de Godard, é mais controvérsia do que cinema.
Assim, Daniel e seus apóstolos partem na cruzada que poderia ser a de libertar a arte da dramaturgia (que tem por templo o próprio teatro) da mediocridade comercial. E dessa forma, o polêmico Arcand, reconta o único testamento fora da Bíblia que têm sido estudado por religiosos, o que, diga-se de passagem, é uma conquista digna de lembrança, até para lembrarmos qual era mesmo a mensagem, antes de ser deturpada por televangelistas, fanáticos, moralistas, pastores e clérigos carreiristas, que muitos de nós gostaríamos de ver sob a chibata na famosa cena da expulsão dos vendilhões do templo.


O filme Jesus de Montreal será exibido no SESC Cineclube Silenzio, no dia 15/03 às 19e 30hrs no SESC Cascavel, com entrada franca.

Nenhum comentário: