30.11.07

CICLO #2 - FEDERICO FELLINI

Do DIA 10 a 14 de DEZEMBRO
(Segunda a Sexta) às 20h
No SESC Cineclube Silenzio
ENTRADA GRÁTIS
Dia 10/12
I CLOWNS (Re-exibição Especial)
(I Clowns, 1971, 92min, Cor)

“I Clowns” é uma mistura de ficção e documentário no qual o próprio Fellini se coloca como uma personagem, que ao relembrar de sua relação com o circo ainda na infância decide investigar mais a fundo o que aconteceu e como nasceu a imagem com Clown Blanco e do Augusto do Commedia Dell`Arte do século XV. Sua discussão sobre o que seria arte e o que seria entretenimento no mundo dessas figuras ora adoradas ora odiadas desenvolve-se a partir de uma pesquisa ampla viajando por toda a Europa e também por entrevistas, feitas pelo próprio Fellini aos maiores nomes do gênero.


Dia 11/12
A ESTRADA DA VIDA
(La Strada, 1954, 108min P&B)

A Estrada da Vida, é, sem exageros, uma das obras-primas inesquecíveis do mestre Federico Fellini e um dos mais belos filmes da história do cinema. Giulietta Masina vive a ingênua Gelsomina, vendida por sua miserável mãe para o brutamontes Zampanò (Anthony Quinn em interpretação magistral), um artista que se apresenta arrebentando correntes. Gelsomina passa a ajudar Zampanò em suas exibições. A estrada da vida que percorrem guarda belas e trágicas surpresas para a dupla.


Dia 12/12
FELLINI 8½
(Otto e mezzo, 1963, 140min. P&B)

Fellini oito e meio (1963) é um dos marcos diferenciais na carreira do grande cineasta italiano; se em A doce vida (1960) o realizador articulava palavras e símbolos num estilo exasperado mas realista, em Oito e meio tudo é fantástico, imaginoso, desde a forma como se aglomeram as seqüências (um barroco documentário da memória) até o conteúdo interno das imagens, uma intensa mistura de faces curiosas, interessantes, uma fauna que encontraria seu ponto talvez mais desequilibrado no filme seguinte de Fellini, o alucinado Julieta dos espíritos. A doce vida é um arrojo de roteiro e linguagem; Oito e meio é uma ousadia formal, um ponto em que Fellini começou a libertar-se do envolvimento dramático mais tradicional, construindo obras libertinas em sua estrutura até chegar ao vão documental e sóbrio de Amarcord (1973).
Diferentemente de Amarcord, outra escavação da memória do mais autobiográfico diretor de cinema, Oito e meio apela inteiramente para a fantasia, não se preocupando com juntar o real ao mágico sem mutilar o filme (algo que ocorreria em Amarcord). Oito e meio é magia pura, um exercício de arte onde novamente encontramos as obsessões de Federico Fellini e novamente topamos com sua surpreendente capacidade de renovação.
Realização extremamente coletiva, como costumam ser os trabalhos do cineasta a partir dos anos 60, Oito e meio faz desfilar diante das câmaras inquietas de Fellini uma série de personagens estranhas e situações insólitas que acabam por transformar o protagonista Guido Anselmi e seus dilemas pessoais num débil ponto de união entre os fragmentos da história. Assim voltaria a ocorrer em Julieta dos espíritos com a burguesa Julieta, em Amarcord com o moço Titã, em Casanova de Fellini com o amante insuperável; e tal não ocorreria bem assim com o jornalista Marcelo em A doce vida, pois a sociedade aí seria um “anagrama” explicativo dos conflitos psicológicos da personagem.
Basicamente, Federico Fellini conta em Oito e meio a história do cineasta Guido Anselmi, inquieto diante da perspectiva dum novo filme sem assunto e atravessando uma profunda crise de saúde que o leva a um sanatório onde o realizador investiga longamente com os recursos de sua poesia cinematográfica a fauna humana que o diverte e intriga. Segundo o romancista brasileiro Ignácio de Loyola Brandão, Oito e meio é seu filme, aquele universo cinematográfico em que ele gostaria de ter nascido, crescido, vivido, dali nunca ter saído. A obra-prima de Fellini merece tais alturas, pois trata-se de um dos mais inovadores filmes da história do cinema.


Dia 13/12
SATYRICON
(Satyricon, 1969, 132min. Cor)

Esta é a livre adaptação de Fellini da famosa peça de Petronius, que faz uma crônica da vida na Roma antiga. Encolpio (Martin Potter) e seu amigo Ascilto (Hiram Keller) disputam o afeto do jovem Gitone (Max Born). Quando Encolpio é rejeitado, ele começa uma jornada na qual encontra todos os tipos de pessoas e de acontecimentos, entre eles uma orgia e um desfile de prostitutas na Roma antiga. Durante a orgia, organizada por Trimalchio (Mario Romagnoli), encontra um ex-escravo que menosprezou a mulher em troca dos prazeres oferecidos por um jovem garoto. O filme é estruturado em uma narrativa truncada e é uma reflexão sobre a sexualidade masculina e suas variações. Cada trecho do filme trata de uma delas, como o homossexualismo, e outras questões delicadas que envolvem o sexo. Apesar de ser baseado na sociedade da Roma antiga, Satyricon reflete também um momento de caos pelo qual a sociedade da década de 60 vivia.


Dia 14/12
E LA NAVE VA
(E La Nave Va, 1983, 132min. Cor)

Junho de 1914. Glória N, um luxuoso navio, deixa a Itália, levando as cinzas de uma célebre cantora lírica para sua terra natal, a ilha de Erimo. Cantores, músicos, amigos, nobres e um jornalista acompanham o funeral. A normalidade dos primeiros dias de viagem é interrompida quando o capitão socorre refugiados da recém-iniciada Primeira Guerra Mundial. Considerado pela crítica mundial como a última obra-prima de Fellini, E La Nave Va é uma fascinante homenagem à Ópera, repleta de momentos sublimes e personagens exóticos. Embarque nesta fantástica viagem felliniana.


18.11.07

Os Amantes do Círculo Polar (1998) Julio Medem

Neste SÁBADO DIA 24/11
No SESC Cineclube Silenzio
ENTRADA GRATUITA


ÚLTIMA SESSÃO REGULAR DO ANO

APÓS O FILME DISCUTIREMOS SOBRE O FUTURO DO CINECLUBE, PARTICIPE!


A CERTEZA DE ESTAR COM ALGUÉM


Existem alguns filmes que conseguem nos passar uma sensação quase mística que transcende linguagem cinematográfica e narração, muito embora esta tal energia venha exatamente da forma como o diretor junta seus pedaços e nos conta sua história. Os Amantes do Círculo Polar (Los Amantes del Círculo Polar, Espanha, 1998), de Júlio Medem, é um desses casos atípicos, pois tem um sabor decididamente diferente, difícil de ser descrito, mas que chega no espectador e o atinge em cheio. Este filme é uma dessas adequações raras e perfeitas da forma junto ao próprio coração do filme (o conteúdo). Investiga, em termos bem pessoais, a maneira como nós encaramos o destino.

Inicialmente, Os Amantes do Círculo Polar pode ser descrito como uma história de amor entre Anna e Otto, que nos são apresentados como duas crianças de oito anos de idade que decidem, desde tão cedo, que foram feitos um para o outro. A certeza deles é tanta que ambos põem suas vidas numa espécie de piloto automático, pois sabem que nunca deixarão de estar juntos, mesmo depois que uma primeira ação do destino os torna praticamente irmão e irmã, já que o pai de Otto e a mãe de Anna apaixonam-se e decidem morar juntos.

Alguns anos depois, Anna e Otto já são adolescentes e Medem cria um clima fascinante de erotismo juvenil que irá consumar a relação física entre ambos, mesmo sendo, mais do que nunca, irmão e irmã, vizinhos de quarto na casa dos pais. Esta proximidade é tratada por Médem como extremamente problemática do ponto de vista de Otto, pois ele precisou deixar a mãe (sozinha, depois do fracasso do casamento) para poder ficar mais perto de Anna, na nova casa do seu pai.

O relacionamento entre os dois passa para um terceiro estágio, já como jovens adultos de vinte e poucos anos, momento em que a vida, e o destino, começará a realmente testar a resistência do caminho que ambos traçaram, aos oito anos de idade. É esse conflito entre destino e as obras externas do acaso que Medem trata com tanta força e poesia, através de um cinema altamente pessoal.

Para estabelecer a idéia de que tudo na vida funciona em ciclos que se completam, e que nossa existência não seria possível sem a repetição constante desses ciclos, Medem mostra-se um manipulador talentoso das espectativas de quem vê seu filme. Um dos elementos mais interessantes, por exemplo, é a constante ameaça de um acidente de automóvel, ou mesmo, na infância e adolescência de Otto e Anna, a ida para a escola, durante anos, no assento traseiro do carro dos pais. A realidade é a mesma, mudam apenas as roupas, a meteorologia, o estado de espírito.

Esta idéia de um círculo constante na vida ganha tratamento visual impecável e uma montagem inteligente de imagens que retratam a configuração circular de fatos. Há um belíssimo corte envolvendo uma freada, Anna e Otto, que sintetiza praticamente toda a idéia apresentada nesse filme, repetida mais tarde numa angustiante seqüencia que se passa num café, ao ar livre, provavelmente a mais poética e irônica escrita por Medem.

Medem, no entanto, guarda seu maior símbolo de destino e vida para a imagem mística do sol que nunca se põe, mas que avança horizontalmente, no norte da Finlândia, ou no Círculo Polar do título, destino final do seu filme, uma vez que Anna e Otto são guiados por uma série de coincidências que parecem comprovar que "não existem coincidências". Aliás, não parecem existir coincidências para quem sempre teve tanta certeza do caminho que o destino traçou.

Este é um filme especial, onde nota-se imediatamente o trabalho de um diretor que tem uma visão peculiar do mundo, traduzida com eloqüência no seu jeito de filmar. Medem fotografa em tons brancos e azuis, formato CinemaScope e paixão pelo seu estilo peculiar de cinema. Não tem o "calor" que se espera de um diretor espanhol, uma vez que o filme mostra-se até frio, vez por outra, especialmente na sua conclusão, que poderá dividir o público entre os que acham-no poético, e outros que poderão sentir-se perturbados com a sua crueza. Mesmo assim, não há indiferença perante tanta técnica e idéias fortes que muito nos comunicam sobre a natureza do ser humano perante a vida.

Os Amantes do Círculo Polar é mais uma prova de que o Cinema Espanhol passa por uma excelente fase. Almodóvar tem encantado muita gente com seu prêmio de direção em Cannes pelo belo Tudo Sobre Minha Mãe, atualmente em cartaz. No último Festival Internacional de Cinema do Rio, além do filme de Almodóvar, os outros grandes sucessos da mostra foram Tango e Goya, de Carlos Saura, e o delicioso A Menina dos Seus Olhos (1999), de Fernando Trueba (Sedução), com Penelope Cruz. Em agosto, no Festival Latino/Brasileiro de Gramado, Os Amantes do Círculo Polar não teve concorrência, dando uma goleada de mais de sete prêmios Kikito, claramente o melhor e mais forte filme da competição.


Filme Visto no Palácio dos Festivais, Gramado, Agosto de 99



Título Original: Los Amantes del Círculo Polar
Gênero: Romance/Drama
Origem/Ano: ESP/1998
Duração: 113 min
Direção: Julio Medem


12.11.07

Brazil, O Filme (Terry Gilliam) 1985

NESTE SÁBADO 17/11
no SESC Cineclube Silenzio
ENTRADA GRATUITA



Brazil - O Filme (Brazil, 1985) »
Direção: Terry Gilliam»
Roteiro: Terry Gilliam,
Tom Stoppard
» Gênero: Ficção Científica»
Origem: Inglaterra»
Duração: 131 minutos»

Elenco ::.

- Ator/Atriz
Personagem
- Robert De Niro
Archibald

- Peter Vaughan
Sr. Helpmann

- Ian Richardson
Sr. Warrenn

- Michael Palin
Jack Lint

- Bob Hoskins
Spoor

- Katherine Helmond
Sra. Ida Lowry

- Jonathan Pryce
Sam Lowry

- Jim Broadbent
Dr. Jaffe

- Ian Holm
Sr. M. Kurtzmann

- Kim Greist
Jill Layton




Terry Gilliam é um diretor complexo. Ou melhor: Terry Gilliam é um diretor de filmes complexos. Mas não só de filmes complexos também. É dele o filme considerado a melhor comédia de todos os tempos por muitas pessoas e críticos: Monty Python em Busca do Cálice Sagrado, talvez o filme do gênero que mais inspirou outros diretores em todos os tempos. Monty Python não é um filme complexo, mas mesmo assim é um filme altamente diferenciado. O diretor também fez o estranhíssimo (e também complexo) Os 12 Macacos, e seu filme mais recente é o esquisitão Medo e Delírio, uma viagem alucinante (ou seria alucinógena?) ao mundo das drogas.

Para este ano, Gilliam já está pré-produzindo (e vai dirigir) Good Omens. Se não ocorrer nenhum imprevisto, o filme deve chegar lá pelo final do ano nos Estados Unidos. Dificilmente vai conseguir, produções desse tipo geralmente são complexas (ops, de novo!). Good Omens é – adivinhem só! – outro filme com uma premissa bizarra: é uma fantasia sobre o Armageddon, com o anti-cristo chegando ao planeta na forma de um bebê. Vai dar o que falar... Bem, esse foi um resumo totalmente supérfluo da carreira de diretor de Terry Gilliam, mas é necessário para as pessoas entenderem o que estarão esperando caso resolvam aventurar-se no filme que é considerado a sua obra-prima até o momento: Brazil - O Filme!

Do nosso país, nosso querido Brasil, o filme tem muito pouco. Apenas a trilha sonora tem relação com ele. Pra ser mais exato, a música-tema do filme é a Aquarela do Brasil, clássico composto por Ary Barroso. De resto, não há nenhuma outra referência a nosso país. A história – uma ficção científica futurista e bastante fantasiosa – é sobre uma sociedade estranhíssima (assim como em 12 Macacos), depressiva, infeliz, altamente alienada por burocracia. Em Brazil, o mundo criado por Gilliam é ainda mais importante que seus personagens, embora estes sejam muito interessantes.

O clima do filme é escuro, depressivo, tedioso. O mundo é um completo caos. Se você acha as grandes metrópoles do início do novo milênio caóticas, espere para conhecer o mundo retratado em Brazil. Gilliam teve a felicidade de, mesmo criando um mundo futurista fantasioso, já em 1984, quando produziu o filme, prever vários aspectos que hoje são comuns à nossa sociedade (mesma coisa que Kubrick fez em Laranja Mecânica), como o individualismo do homem, e até mesmo a convivência diária com vários atentados terroristas.

Sim, os atentados são o grande problema do momento da sociedade de Brazil, e Sam Lowry, nosso protagonista (finalmente chegamos nele), que acabara de receber uma promoção para um departamento mais importante no governo, onde cuida da burocracia (ele e seus companheiros de trabalho devem lidar com milhares de papéis, num ambiente intoxicante), acaba se envolvendo com a mulher de seus sonhos, que é uma terrorista (ou no mínimo parece uma). Durante boa parte do filme, Gilliam exibe cenas absolutamente bizarras de Sam sonhando com essa mulher, perseguindo-a pelos céus com um grande par de asas, porém sempre sendo impedido pelos seus comandantes (simbolizado pelo grande samurai), que querem dele apenas trabalho, trabalho, e mais trabalho. Como em outros filmes de Gilliam (e como em filmes de David Lynch também) as cenas “estranhas” podem ser interpretadas de várias maneiras, esta apresentada é apenas uma delas.

Mas ainda tem mais história pra contar: enquanto trabalha e continua tendo seus sonhos esquisitos com a tal mulher, um funcionário acaba, acidentalmente, cometendo um erro de cadastro. O fugitivo da polícia Tuttle acaba tendo seu nome trocado para Buttle por causa de tal acidente, e Buttle, cidadão pacato e inocente, acaba sendo preso no lugar de Tuttle. Tuttle é interpretado por Robert De Niro, em um papel estranhíssimo. Ele e Sam acabam se encontrando várias vezes em situações bastantes esquisitas (pra variar).

Criar uma sinopse para Brazil é dos trabalhos mais difíceis que existem. O filme é tão “diferente”, com sua história tendo tantos detalhes anormais, que fica difícil entendê-la sem ver o filme (bem, mesmo vendo ele não é a coisa mais fácil de de entender). O filme ainda conta com uma galeria grande de personagens interessantes, como a mãe de Sam, que está com o rosto incrivelmente esticado de tanto fazer cirurgias plásticas; e o Sr. Kurtzmann, interpretado por Ian Holm (o Bilbo de O Senhor dos Anéis – a trilogia), que não quer perder o seu eficiente funcionário Sam para outro departamento.

De não tão fácil assimilação, o principal que fica depois de se assistir Brazil – O Filme, é a mensagem que Gilliam nos passa, de um futuro, mesmo que fantasioso no filme, possível em vários pontos (alguns deles já existentes, como já foi citado). Não há muito o que uma pessoa, sozinha, possa fazer para evitar que mais aspectos negativos do filme se tornem realidade, mesmo assim, vale a pena fazer a sua parte. Espero apenas que no mundo real, no futuro, não haja tamanha burocracia e a alienação com papéis vistas em Brazil. Difícil, já que uma coisa Gilliam não previu: o crescimento da importância dos computadores, que eliminam quase toda a papelada.

Brazil – O Filme é uma obra-prima difícil de assistir, difícil de digerir. Não é um filme para quem busca entretenimento. Infelizmente, 99% das pessoas que dizem gostar de cinema acabarão nunca assistindo a este filme. Uma pena, mas fica aqui a recomendação valiosa. A versão analisada aqui é a versão do diretor, que foi lançada tempos depois da original com 11 minutos de cenas a mais, entre elas alguns momentos mais “quentes” entre Sam e sua amada. Assim como os filmes de Terry Gilliam, analisar Brazil é tão complexo que tenho certeza que você não entendeu praticamente nada, assim como dificilmente entendi o que escrevi... Então estamos quites.


5.11.07

Amarcord (1972) Federico Fellini

NESTE SÁBADO dia 10/11 às 20h
no SESC Cineclube Silenzio
Entrada Gratuita



Antes dos Filme: APRESENTAÇÃO DO VOCAL COMMUNICANTUS(GRUPO VOCAL)

NO REPERTÓRIO - MÁRIO ALFAGÜEL; FRANZ SCHUBERT E MILTON NASCIMENTO





Sinopse: Numa pequena cidade italiana na década de 30, sob domínio do facismo, várias histórias se cruzam com as de uma família cujos membros assistem às manifestações em honra do Duce ( lider facista Benito Mussolini ), à passagens do transatlântico "Rex", à chegada de um misterioso emir e suas odaliscas, aos filmes de Gary Cooper no cinema local è a passagem dos grandes pilotos da tradicional " Mile Miglia ". Mágico e arrebatador, com personagens inesquecíveis criados a partir das lembranças da infância de Fellini (1920-1993). Tudo ao som de belos e nostálgicos temas musicas de Nino Rota.


Crítica:


Eu me lembro. Foi no cinema Vogue (hoje uma padaria), na avenida Independência, em Porto Alegre. Assisti a "Amarcord" num domingo à noite e, no final da sessão, descobri que o cinema era muito mais legal do que eu pensava. Naquele momento (1974), foi uma descoberta individual, quase secreta, mas, poucos anos depois, percebi que toda a minha geração também passara pelas poltronas do Vogue e sentira o mesmo que eu.

Ali estava um filme tão perfeito, tão emocionante, tão extraordinário, que, de algum modo, ajudara a mudar a vida de muitas pessoas, que viam o cinema como algo distante, inalcançável, escrito sempre com aquelas letras brancas imensas de H-O-L-L-Y-W-O-O-D, e que agora podiam vê-lo como uma simples desfilar de lembranças de um italiano tão maluco quanto genial.

Foi uma descoberta tardia, é claro. Mas é preciso lembrar que a minha geração chegou à adolescência (momento de encontrar duas coisas fundamentais na vida: sexo e cinema) em plena ditadura, quase sem acesso às cinematecas, às mostras alternativos, à grande efervescência cultural que caracterizou o final dos anos 50 e todos os 60. Então, assistimos a "Amarcord" sem termos assistido a "A doce vida", "Oito e meio", "Noites de Cabíria", "Julieta dos espíritos" e aos demais filmes de Fellini. E pior: se me perguntassem, na época, o que era neo-realismo italiano, eu não teria a menor idéia. Rosselini? Visconti? Quem são esses senhores? Assim, mesmo considerando que muitos adolescentes porto-alegrenses não eram tão ignorantes quanto eu, dá pra afirmar que, para a maioria, "Amarcord" funcionou como uma faísca inesperada, como uma luz intensa, que nos obrigou a contrair as pupilas e enxergar o cinema de outra maneira.

Mas o que "Amarcord" tem de tão fantástico? Primeiro é preciso dizer o que NÃO tem. Porque, apesar de sermos adolescentes ignorantes, já tínhamos intimidade com a narrativa cinematográfica, já sabíamos, por exemplo, que um bom filme tinha que ter: (a) artistas talentosos, conhecidos, quase sempre bonitos, muitas vezes deuses e deusas que desciam do Olimpo apenas para filmar nos estúdios; (b) uma história com começo, meio e fim, capaz de emocionar ao espectador segundo uma progressão cuidadosamente planejada; (c) personagens fortes, divididos entre "mocinhos" (para quem torcíamos) e "bandidos" (a quem odiávamos). "Amarcord" não tem atores conhecidos. Mais do que isso: tem vários não-atores, gente comum, escolhida na rua pelo seu tipo físico.

"Amarcord" não tem história linear, com começo, meio e fim. Mais do que isso: além de fragmentada, a narrativa nem sempre é realista, pois está baseada em lembranças esparsas, imaginações, sonhos. "Amarcord" não tem mocinhos nem bandidos. Mais do que isso: o personagem principal, um adolescente chamado Titta, não está envolvido em nenhuma ação espetacular, a não ser que consideremos sua incursão entre os seios enormes da bilheteira uma ação espetacular. "Amarcord" não segue a cartilha do cinema americano. Segue a cartilha de Fellini.

Em contrapartida, "Amarcord" tem uma coleção completa de signos cinematográficos da mais alta qualidade. Tem um roteiro que "amarra" a trajetória de Titta com total segurança, criando nexos entre as cenas e dando a cada novo personagem (e são muitos) uma significação única e sempre forte. A mulher mais gostosa da cidade ("La Gradisca"), o vendedor ambulante, o acordeonista cego, a imensa charuteira, a freira anã, todos eles, mesmo com pouco tempo na tela, estão vivos, palpitantes, verdadeiros. Os roteiristas Tonino Guerra e Fellini sabiam que simplesmente "listar" lembranças não seria suficiente: era preciso criar um encadeamento lógico, em que a passagem do transatlântico funciona como um clímax, um orgasmo coletivo dos habitantes da pequena vila costeira.

"Amarcord" também tem uma das mais belas trilhas da história do cinema. Não estou falando de uma música, de um momento específico do filme. Estou falando da trilha original inteira, criada por Nino Rota, que, ou estava inspirado por Deus, ou fez um pacto com o diabo. Todas as músicas, além de apoiarem a imagem com total eficiência, funcionam independente do filme. E isso é muito raro, quase inexistente. "Amarcord" também tem fotografia inspirada, montagem sensível, direção de arte irrepreensível.

"Amarcord" é, à primeira vista, um filme simples, quase singelo, mas, na verdade, é um concerto sinfônico, em que cada um dos instrumentos cumpre modestamente seu papel. É a soma de todos esses timbres que fornece a essência mágica do produto final. Finalmente, não dá pra esquecer que "Amarcord", ao mesmo tempo que é um filme intimista, sobre um garoto que descobre a si mesmo, também é um filme político, sobre a Itália fascista, sobre a alienação de um povo, sobre a preguiça latina, sobre a acomodação dos seres humanos a regras estúpidas, formuladas por seres humanos igualmente estúpidos, mas muito poderosos, capazes de criar os eficientes signos fascistas e gerar líderes monstruosos como Mussolini.

"Amarcord" não será esquecido jamais, nunca sairá de moda, nunca parecerá velho (o que aconteceu com "Oito e meio", por exemplo). Eu lembro de "Amarcord". Eu lembro daquela sessão do cinema Vogue. Eu lembro que os seres humanos são capazes de criar emoção com pedaços de plástico e sal de prata. E gerar artistas geniais como Fellini.

Carlos Gerbase

Amarcord (1973) Duração: 127 minutos. Direção: Federico Fellini. Roteiro: Tonino Guerra e Federico Fellini. Fotografia: Giuseppe Rotunno. Música: Nino Rota. Produção: F.C.Produzione (Roma) e PECF (Paris). Elenco: Bruno Zanin (Titta), Pupella Maggio (sua mãe), Armando Brancia (seu pai), Nando Orfei, Ciccio Ingrassia, Magali Noel. Oscar de melhor filme estrangeiro.